A Islândia, país com a maior quantidade de músicos per capita, que já nos deu Björk, Sugarcubes, Tappi Tíkarrass, Sigur Rós, Amiina, Múm, entre outros, apareceu nas últimas semanas nas manchetes dos jornais pelo mundo em virtude de um diferente tipo de barulho. O barulho provocado pelo bafo quente e pelas cusparadas do vulcão Eyjafjallajökull, aquele que não nos permite dizer o seu nome.
Barulho este seguido de fumaça e de debates acerca do homem e sua relação com os recursos naturais e também os econômicos. De minha parte, costumo fazer com alguma freqüência a seguinte pergunta: Naturais? O que há de natural nos dias de hoje? Quase tudo é mistura, quase tudo é mestiço, quase tudo é artifício, é mentira... por que o “tudo”, categoria há bastante tempo tão duvidosa? O fato é que a pureza já se foi, deixou órfão e viúvos, quando foi colocada para correr a largos passos, assim como os recursos ditos naturais também se vão, se transformam. Só não concordo com os debates exagerados e inconsistentes, recheados de hipocrisia, que envolvem os mais exaltados na defesa do meio ambiente, quando muitas vezes, estes mesmos defensores não abrem mão das benesses produzidas pelo nosso descontrolado progresso socioeconômico e tecnológico. Há de se fazer algo pelo meio ambiente, algo pelo meio, não pelos extremos.
Mas voltando ao vulcão, é interessante como este acontecimento conseguiu atravessar fronteiras, colocando este país, a Islândia, (de fato) no mapa mundi, ou melhor, na ordem do dia pelas manchetes dos principais veículos de mass media.
O vulcão como expressão da Terra, de seu dentro-fora, que nos faz perguntar se estas categorias, dentro e fora continuam mesmo a fazer sentido na contemporaneidade.
Conforme Deleuze e Guattari, essa mesma Terra, grande máquina abstrata, que desde milhares de anos atrás tinha em si a possibilidade de desestratificação, à medida que as moléculas se organizavam, aumentando a capacidade de desterritorialização e reterritorialização, dá demonstrações de que seu processo de Vida e transformação não cessou. Tanto aqui como na Islândia, a Terra pulsa, embora lá haja hoje rochas exalando vapores vulcânicos que esculpem cavernas ou transformam águas geladas em ilhas de água morna no meio do gelo.
Este vulcão fez-me lembrar de certa feita quando eu estava a trabalhar com geólogos e engenheiros que atuam comigo na área de gestão de pessoas e precisávamos avançar em nossos entendimentos acerca de um possível conceito de subjetividade. Confesso que não é tarefa fácil trabalhar com este conceito dadas as suas inúmeras atualizações no campo das Ciências Humanas e também pelo fato da subjetividade ser costumeiramente perseguida pelos “atilados” defensores da supremacia da objetividade como se esta última fosse infalível/absoluta/neutra.
Lancei mão à época da caixa de ferramentas conceituais produzida por Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs, vol. 1, segundo tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, no platô, 10.000 a.C. A Geologia da Moral (Quem a Terra Pensa que É?), em que estes dois pensadores da multiplicidade (o monstro bicéfalo D&G), nos apresentam uma espécie de ontologia como geologia das multiplicidades constituídas por movimentos de estratificação e desestratificação sobre diversos planos de consistência. E esta estratégia funcionou, mesmo que avariada a aproximar naquele momento seres de espécies tão distintas: psicólogo, geólogo, engenheiro, etc... num entendimento acerca da subjetividade, ou melhor, na produção de um conceito de subjetividade.
Pois bem, de minha parte prefiro o termo processos de subjetivação, conforme a Esquizoanálise, por considerar a subjetividade como um recorte transitório de uma multiplicidade engendrada em meio a movimentos contínuos e inacabados, em ritmos ora cadenciados, ora interrompidos bruscamente. A idéia de subjetividade interna, intocada, individual também não me convence e me parece pouco consistente frente aos desafios de hoje em dia. Haja vista as erupções, digo, a expressividade nossa de cada dia a lançar lava para todos os lados, resultado do choque de estratos, rochas desestratificadas, ou moldadas pelo vento, pela água.
Ainda seguindo estes referenciais, a nossa subjetividade é fruto de agenciamentos coletivos, encontros vida afora em que substâncias, matérias, acontecimentos, sons, palavras de ordem, afectos, etc... nos atravessam e são por nós atravessados e assim, tal como no cinema, tela a tela, percebemos o emoldurar de um fragmento de subjetividade aqui outro acolá. Um fragmento de subjetividade para chamar de seu. Ahn? Mas que ledo engano, a “nossa própria” subjetividade já não nos pertence, pertence ao mundo, Deus Sive Natura, como diria Spinoza.
Os estratos segundo a Geologia são atravessados por fissuras, desníveis, movimentos, pulsações e deslocamentos e por sobreposição de estratos (estratificação/desestratificação), temos a constituição de camadas, de crostas, indo do mais fundo ao mais plano e vice-versa. Tal como a nossa subjetividade em seu processo de evolução/involução, em que cada camada é acessível ou não à sua maneira.
Às vezes para acessar algumas camadas de subjetividades nós precisamos de instrumentos de arqueologia, tão delicados como um pincel, uma pá um raspador. Sim, tal como nos ensina Gregorio Baremblitt, o que conseguimos coletar não passa de raspas de subjetividade, e isso já é algo assaz valioso, tal como uma descoberta arqueológica. Noutras vezes, é necessário algo mais truculento, e a utilização de instrumentos mais incisivos tal como uma broca, um perfurador... chegando até o uso de dinamite.
Alguns estratos que compõem aspectos decisivos em meio aos nossos processos de subjetivação encontram-se fossilizados, outros tantos, tal como partículas de poeira sedimentar flutuam. Técnicas e metodologias as mais variadas nos são necessárias, máquinas entre máquinas na produção de subjetividades. Num mesmo plano de imanência, quantas camadas, quantos platôs!
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