Crepúsculo? Sim, já li “Crepúsculo dos ídolos” e não me senti nem um pouco vampirizado.
Aliás, com relação a Nietzsche, confesso que fico muito alegre quando vejo em um ônibus, metrô, praça, alguém lendo um de seus livros. Não me importo muito, nestes casos, com a tradução (sei que há melhores, piores e criminosas). Já vi acadêmicos se engalfinharem defendendo traduções (editoras, autores, escolas, etc.)... Sei também que muito foi feito no sentido de arrebentar com a multiplicidade de sentidos presentes na obra deste filósofo, inclusive, isso tudo começou na própria casa do filósofo, graças aos “gostos” e filiações da irmã de Nietzsche, quando esta se empenhou a publicar os livros do irmão, reza a lenda, com algumas intervençõezinhas aqui e acolá. Mas, não sei não.... acho que ao ler-pensar-sentir com Nietzsche é possível transmutar esses entraves, saindo da esfera dos falsos problemas, adentrando as vielas repletas da potência do desassossego. Lembro-me de Deleuze dizendo em tom provocativo em uma de suas entrevistas que todo camponês deveria caminhar por aí com um livro de Spinoza no bolso da jaqueta, acho que o mesmo poderia ser dito a respeito de Nietzsche. Deleuze depois diz que a obra de Spinoza é de grande complexidade, não poderíamos dizer o mesmo acerca dos escritos de Nietzsche? Aliás, foi Nietzsche quem me apresentou a Deleuze, já disse isso aqui em algum comentário p/ trás (e sei que algumas pessoas interpretam isso ao pé da letra. O mesmo ocorre quando digo “Noite passada estive com Nietzsche”, rs.). Eu avançava nos estudos em Nietzsche quando me deparei com o livro Nietzsche de Deleuze. Foi Deleuze também que certa vez usou em um de seus textos a expressão “Meu Nietzsche”, de que gosto muito, não remetendo ao sentido de propriedade, mas sim aludindo ao limite do que pode uma leitura singular de Nietzsche e seus agenciamentos.
Também considero a escola francesa dos anos de estudos Nietzscheanos de 1960 a mais interessante, Foucault, Deleuze, Klossowski... e acrescento o esforço dos surrealistas e outros artistas, dentre os quais destaco Matisse, que ajudaram a tirar Nietzsche do calabouço em que tudo que vinha da Alemanha fora jogado após a II guerra mundial.
Para fechar, certa vez em uma sala de aula, preparando terreno para uma conversa sobre existencialismo, ao perguntar aos alunos quem ali já teria se aventurado na leitura de algum texto de Nietzsche eis que ao fundo um rapaz levanta a mão e diz “Estou acabando a leitura do livro Quando Nietzsche chorou e gostando muito”. Eu poderia me atirar ao chão, me desesperar, arrancar os cabelos... pasmem, ninguém na sala se manifestou contra o rapaz, tampouco eu. Vai saber, aquele texto poderia funcionar como um intercessor e abrir portas para um mergulho na obra do bigodudo do martelo e seus escritos de fato, por que não? Sei de pessoas que começaram a se encantar com a filosofia depois de lerem “O Mundo de Sofia” de Gaarder. Nada mal.
Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro
3 comentários:
Rogério, obrigado mais uma vez por participar da conversa. Num momento onde a escrita quase se esvai, me lembrar dos seus comentários-post me fez manter o blog.
Concordo consigo sobre as múltiplas recepções "legítimas" de Nietzsche. Ele pode, e deve, ser lido de diferentes formas, de maneira a que no final cada um possa dizer: "o meu Nietzsche".
Bem sei que a Academia treme da possibilidade de uma hermenêutica que escape totalmente ao seu controlo, mas não sei se isso será muito importante.
Sim, que cada viandante leve o seu Nietzsche no bolso do casaco, e se ria ao lê-lo.
Rogério,
Este post me inspirou a escrever também como e quando tive o meu primeiro contato com Nietzsche.
Muito legal este texto. Deveríamos continuar o tema e perguntar o que acontece quando lemos Nietzsche pela primeira vez. E depois, quando o procuramos novamente...
Coisas estranhas...
Abraços
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