E de repente nos tornamos tarefeiros, multi-tarefeiros. E a vida cotidiana com suas múltiplas linhas se transforma em um grande e pesado bloco de tarefas. Tarefas aqui e acolá, confundidas entre ordenações por critérios de prioridade, urgência, emergência, postergação, adiamento, ou a total falta de critérios. São tantas as tarefas que não dormir virou até sinônimo de dormir. No meio disso tudo, das ameaças de uma espécie de insônia com requintes de sonambulismo, como criar bolsões de tempo para a invenção, conforme Deleuze, como criação de possíveis? Esta é uma dentre as perguntas primordiais.
Lembro-me de Kafka e de sua preocupação em buscar saídas. A Kafka importava menos a liberdade do que a invenção de saídas. Saídas, mesmo que minoritárias, frestas, brechas, rupturas, o contrário de uma suposta prisão utópica cujas grades são sedimentadas pelo inatingível conceito ideal de liberdade absoluta. Há aqueles que acusam Kafka de ter escrito linhas e mais linhas de claustrofobia, mas a meu ver ele só as cartografou e em meio a estas inventou brechas para o advir de linhas de fuga, de resistência.
No dia a dia o habitual e o mais simples muitas vezes têm se transformado no quase impossível. Por exemplo: Como ajustar as linhas de uma agenda com as de outra agenda? Como reunir pessoas, mesmo que à distância, pois hoje contamos com mais alternativas do que antes, especialmente no tocante às ferramentas tecnológicas de comunicação. Ainda assim não é fácil. Ainda assim não parece ser suficiente.
Os encontros, matéria prima para a produção de possíveis, eis no limite o porquê e a envergadura de sua importância, são hoje de uma raridade espantosa. Todos vagam apressadamente rumo a qualquer parte. A pressa, antiga inimiga da perfeição, hoje se tornou ilusório vetor de produtividade. Aqui e em outros cantos insisto no alerta de que a pressa na realidade é a grande inimiga das velocidades, as mais rápidas e as mais lentas. E como somos, segundo Spinoza, compostos por velocidades e lentidões, a pressa funciona tal como uma espécie de veneno, disparador de conexões com as paixões tristes.
Não fossem os encontros, principalmente os que ocorrem entre espécies diferentes, a vespa e a orquídea, o que seria de nós? Nós, o pronome perigoso, dada sua ambigüidade que pode reunir diferentes em prol da produção de diferenças e ao mesmo tempo esconder as mais perversas armadilhas. Pouquíssimas vezes em toda minha vida me senti parte integrante de um pronome nós evocado ao sabor dos ventos. A simples enunciação deste pronome me causa arrepios. Às vezes, mesmo que raras, sua utilização se justifica pelos agenciamentos e implicações a este pronome aliados, noutras, no entanto, fala-se nós quando na realidade tratar-se-ia da mais completa ausência de qualquer tipo de aliança.
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