domingo, 13 de dezembro de 2009

Um encontro com Matisse e as forças que este atiça


Não fosse Matisse, “o rei das feras”, “o pintor de paredes”, quem haveria de trazer as linhas de força para a pintura?


Eu sei, bem sei, e você também sabe muito bem, e os acadêmicos e eruditos de plantão sabem melhor ainda do que todos nós juntos, que Matisse não foi o único e nem o será: a trazer as linhas de força para a pintura... e a extrair dessas (das linhas de força e da pintura) as mais diversas sensações. Mas, o que está em jogo aqui não é o saber, e sim o sentir. Não um apelo exagerado ao racional, mas ao calor arrebatador que advém das vísceras, atravessando o corpo, quando nos colocamos em contato com as cores de Matisse e seus blocos de sensações: conjunto de perceptos e de afectos.


- O que você sente num encontro com Matisse e as forças que este atiça?


Aliás, não atice Matisse, a não ser que você queira acabar atiçado. Um corpo pode ser bem definido pela sua potência de atiçar e de ser atiçado, ou melhor, seguindo Spinoza, pela sua potência de afectar e de ser afectado.


Falo de forças aqui no sentido nietzschiano (e não do “falo das forças”). E Matisse, leitor de Nietzsche, soube “encontrar forças”, “produzir forças”, “trabalhar com as forças”, rompendo as sutis fronteiras entre cores e linhas. Colocando as cores e as linhas em um puro agenciamento, de tal sorte que o início de uma se dava no fim da outra e vice-versa, no entrelaçar de distâncias mínimas, entre linhas e cores e entre estas suas forças. Dando ênfase às forças em detrimento às formas, pois para Matisse as formas vinham depois, seriam secundárias, ele nos envolve na dança, em noites árabes, no interior vermelho, na nudez azul... por meio de pinturas, serigrafias, esculturas, desenhos com tesoura. São muitos os modos de expressão experimentados pelo artista a nos convidar ao encontro com suas cores e forças. E aqui me encanta a sua atitude, ao “pintar paredes”, rompendo formatos, forçando as formas na criação de form-atos.


Matisse experimentou as sensações vigorosas de sair da moldura, do modelo, e assim rachar as coisas, extra-va(z)ar as texturas e desfrutar de linhas de fuga criadoras de um sem-número de possíveis. O que é possível num encontro com Matisse não cabe numa parede. E sem um possível não há encontro, você dá com a cara na parede sem cor, nada além, nada aquém.


Texto também publicado no blog Espaço Fluxo e que pode ser acessado através do link.
Imagem: Blue Nude II - H. Matisse

Um comentário:

Victor Gonçalves disse...

Belo texto, óptima velocidade. Múltiplas e boas linhas de fuga.