domingo, 13 de dezembro de 2009

Um encontro com Matisse e as forças que este atiça


Não fosse Matisse, “o rei das feras”, “o pintor de paredes”, quem haveria de trazer as linhas de força para a pintura?


Eu sei, bem sei, e você também sabe muito bem, e os acadêmicos e eruditos de plantão sabem melhor ainda do que todos nós juntos, que Matisse não foi o único e nem o será: a trazer as linhas de força para a pintura... e a extrair dessas (das linhas de força e da pintura) as mais diversas sensações. Mas, o que está em jogo aqui não é o saber, e sim o sentir. Não um apelo exagerado ao racional, mas ao calor arrebatador que advém das vísceras, atravessando o corpo, quando nos colocamos em contato com as cores de Matisse e seus blocos de sensações: conjunto de perceptos e de afectos.


- O que você sente num encontro com Matisse e as forças que este atiça?


Aliás, não atice Matisse, a não ser que você queira acabar atiçado. Um corpo pode ser bem definido pela sua potência de atiçar e de ser atiçado, ou melhor, seguindo Spinoza, pela sua potência de afectar e de ser afectado.


Falo de forças aqui no sentido nietzschiano (e não do “falo das forças”). E Matisse, leitor de Nietzsche, soube “encontrar forças”, “produzir forças”, “trabalhar com as forças”, rompendo as sutis fronteiras entre cores e linhas. Colocando as cores e as linhas em um puro agenciamento, de tal sorte que o início de uma se dava no fim da outra e vice-versa, no entrelaçar de distâncias mínimas, entre linhas e cores e entre estas suas forças. Dando ênfase às forças em detrimento às formas, pois para Matisse as formas vinham depois, seriam secundárias, ele nos envolve na dança, em noites árabes, no interior vermelho, na nudez azul... por meio de pinturas, serigrafias, esculturas, desenhos com tesoura. São muitos os modos de expressão experimentados pelo artista a nos convidar ao encontro com suas cores e forças. E aqui me encanta a sua atitude, ao “pintar paredes”, rompendo formatos, forçando as formas na criação de form-atos.


Matisse experimentou as sensações vigorosas de sair da moldura, do modelo, e assim rachar as coisas, extra-va(z)ar as texturas e desfrutar de linhas de fuga criadoras de um sem-número de possíveis. O que é possível num encontro com Matisse não cabe numa parede. E sem um possível não há encontro, você dá com a cara na parede sem cor, nada além, nada aquém.


Texto também publicado no blog Espaço Fluxo e que pode ser acessado através do link.
Imagem: Blue Nude II - H. Matisse

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Crepúsculo dos Ídolos, não o dos vampiros



Crepúsculo? Sim, já li “Crepúsculo dos ídolos” e não me senti nem um pouco vampirizado.



Aliás, com relação a Nietzsche, confesso que fico muito alegre quando vejo em um ônibus, metrô, praça, alguém lendo um de seus livros. Não me importo muito, nestes casos, com a tradução (sei que há melhores, piores e criminosas). Já vi acadêmicos se engalfinharem defendendo traduções (editoras, autores, escolas, etc.)... Sei também que muito foi feito no sentido de arrebentar com a multiplicidade de sentidos presentes na obra deste filósofo, inclusive, isso tudo começou na própria casa do filósofo, graças aos “gostos” e filiações da irmã de Nietzsche, quando esta se empenhou a publicar os livros do irmão, reza a lenda, com algumas intervençõezinhas aqui e acolá. Mas, não sei não.... acho que ao ler-pensar-sentir com Nietzsche é possível transmutar esses entraves, saindo da esfera dos falsos problemas, adentrando as vielas repletas da potência do desassossego. Lembro-me de Deleuze dizendo em tom provocativo em uma de suas entrevistas que todo camponês deveria caminhar por aí com um livro de Spinoza no bolso da jaqueta, acho que o mesmo poderia ser dito a respeito de Nietzsche. Deleuze depois diz que a obra de Spinoza é de grande complexidade, não poderíamos dizer o mesmo acerca dos escritos de Nietzsche? Aliás, foi Nietzsche quem me apresentou a Deleuze, já disse isso aqui em algum comentário p/ trás (e sei que algumas pessoas interpretam isso ao pé da letra. O mesmo ocorre quando digo “Noite passada estive com Nietzsche”, rs.). Eu avançava nos estudos em Nietzsche quando me deparei com o livro Nietzsche de Deleuze. Foi Deleuze também que certa vez usou em um de seus textos a expressão “Meu Nietzsche”, de que gosto muito, não remetendo ao sentido de propriedade, mas sim aludindo ao limite do que pode uma leitura singular de Nietzsche e seus agenciamentos.


Também considero a escola francesa dos anos de estudos Nietzscheanos de 1960 a mais interessante, Foucault, Deleuze, Klossowski... e acrescento o esforço dos surrealistas e outros artistas, dentre os quais destaco Matisse, que ajudaram a tirar Nietzsche do calabouço em que tudo que vinha da Alemanha fora jogado após a II guerra mundial.


Para fechar, certa vez em uma sala de aula, preparando terreno para uma conversa sobre existencialismo, ao perguntar aos alunos quem ali já teria se aventurado na leitura de algum texto de Nietzsche eis que ao fundo um rapaz levanta a mão e diz “Estou acabando a leitura do livro Quando Nietzsche chorou e gostando muito”. Eu poderia me atirar ao chão, me desesperar, arrancar os cabelos... pasmem, ninguém na sala se manifestou contra o rapaz, tampouco eu. Vai saber, aquele texto poderia funcionar como um intercessor e abrir portas para um mergulho na obra do bigodudo do martelo e seus escritos de fato, por que não? Sei de pessoas que começaram a se encantar com a filosofia depois de lerem “O Mundo de Sofia” de Gaarder. Nada mal.





Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Spinoza et le désir

“Le désir qui naît de la joie est plus fort, toutes choses égales d'ailleurs, que le désir qui naît de la tristesse.” (Spinoza, Éthique IV, prop. 18)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os urgentes desafios do comum...


Os urgentes desafios do comum... de que modos criarmos o comum, espaço fértil às conexões entre heterogêneos, lugar de militâncias ditas menores, do micropolítico que sorrateiramente empurra o macropolítico. O que está em jogo nos dias de hoje é o “como viver junto”, inspirado nesta colocação de Barthes, mas levando-a a outros cantos. E assim nos embrenharmos em meio aos acontecimentos lá onde eles de fato acontecem, não acontecem, estão para acontecer... eis o campo propício a intervenções!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quando a crítica cai do palco: para ser lido tal como blocos de aforismos



... como amigo dos estóicos, tal como você, amigo Jason, não vejo muita utilidade em fazermos desta enriquecedora troca de posições um debate. Mesmo porque, não sei se os camaradas que atravessam este blog concordam, mas tenho a impressão de que a última coisa que se pode esperar de um debate é a troca de posições. No geral, em um debate, as posições entre debatedores são mantidas desde o princípio (rs.) cristalizadas, sacralizadas, absolutas, sedentárias... de tal forma que talvez não devêssemos perder o nosso tempo acompanhando debates, pois o final já está dado, desde sempre. Oh, pobre exercício do pensar, quando nestas condições limítrofes!

Prefiro os diálogos e as conversações.

Minha primeira posição aqui é uma lembrança, meio avariada, de uma frase, cujo crédito dou ao escritor irlandês Oscar Wilde e que nos diz o seguinte acerca de um tipo de crítica pouco rara: "O crítico é aquele que sabe o preço de tudo e o valor de nada.". O crítico e sua crítica servem no mais das vezes para formar opiniões. E qual o valor de uma opinião? Vai saber... mas a precificação oriunda de uma crítica, tendo em consideração as opiniões por ela formadas, pode render alguns preciosos vinténs. A crítica e seu exercício fazem parte do plano imanente em que o mercado também está integrado. E as opiniões formadas e deformadas pela crítica neste caso tendem ao homogêneo e costumam colocar a marchar um monte de indivíduos formatados tal como blocos de massa, numa dada direção ou n’outra.

O pacto semiótico, ou o baixar de guarda do pugilista que nos atravessa, quando colocamos a mão e debruçamos nossos olhos sobre um objeto de arte e o recebemos em fruição estética, afectiva, libidinal, etc, tem a ver com a crítica que assimilada naquele instante nos abriu as portas da percepção e nos permitiu aguçar nossas sensibilidades para aquele encontro. Sendo bom ou mau encontro, se algo ali aumenta ou diminui a nossa potência de ação, eis algo com o qual nos ocupar, eis o que está em jogo, tal como nos sugere Spinoza. Pois há críticas que guardam pactos com o lamento e a fomentação de paixões tristes e críticas que cortam um fluxo para liberar outros fluxos permitindo-nos um novo posicionamento que pode aumentar a nossa potência de ação.

É evidente que há críticos e críticas em número avantajado e crescente a dispararem suas impressões nos mais variados sentidos. Há aqueles que são críticos de ofício, que parecem ganhar comissões financeiras sempre que conseguem criar uma polêmica aqui ou acolá. Estes, que buscam as posições mais polêmicas de uma crítica, geralmente, apenas pela crítica, tal como se fosse um esporte, o fazem almejando as raspas do brilho oriundo dos holofotes que iluminam aquele ou aquilo que é alvo de suas críticas.

Também não sou daqueles que terminam uma conversa acerca da crítica dizendo que esta é na realidade tão somente fruto imediato de frustrações e ressentimentos de um crítico (e.g.: Um artista frustrado = um crítico de arte), não acho que se trata no caso de uma equação tão exata e simplista.

Veja o caso de Caetano Veloso que neste mês emitiu críticas pesadas ao Presidente Lula e ao cineasta Woody Allen. E olha que sou um dentre vários que aprecia este cantor e compositor, ao mesmo tempo em que sinto uma enorme preguiça de suas frases soltas em tom de crítica aparentemente inconseqüente e apressada. Penso que um critério que pode nos ajudar a pinçar as críticas interessantes frente às meramente despontencializantes pode ser a pressa. Quando uma crítica é feita às pressas, no geral não é difícil de se detectar, pois costuma faltar consistência enquanto sobram farpas e acusações no mais das vezes de cunho pessoal. Vale lembrar também que este artista esteve envolvido em algumas polêmicas quedas este ano: duas do alto de palcos bem no meio de suas apresentações musicais, além de uma vertiginosa queda de popularidade afectiva após suas recentes declarações contra uns e outros por aí.

É possível pensar que alguns críticos sofram de qualquer tipo de problema de visão, agravada por um pouco de astigmatismo ou de miopia, pois a crítica tem relação íntima com a distância que se estabelece entre crítico, crítica e aquilo/aquele que é objeto de crítica.

Sobre distância, ninguém melhor do que Blanchot, e acerca da crítica literária, podemos evocar este mesmo intercessor que você citou junto com Zizek, Klossowski, e aqui acrescento também Barthes e poderia elencar outros mais. Este tipo de crítica costuma nos apresentar problematizações consistentes, a partir de questões pertinentes, operando cirurgicamente em meio a intercessões, produzindo novas possibilidades e ampliando nossos universos referenciais. São críticas oriundas das ruminanças que nos remetem a Nietzsche e ao pensar que demanda tempo e experiência. Se a pressa é inimiga da crítica consistente, as velocidades para a produção de consistência em uma crítica podem ser lentas ou rápidas, sem deixar de serem velozes.



Da série: Diálogos, não debates, pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro

terça-feira, 17 de novembro de 2009

footsteps of the multitude: a dance


Description #1: One step after the other, left, right, left, right. One guides the other, left, right, left, right, one follows the other. Where do they take us? Left, right, left, right, all of a sudden... Stop! And then the wall falls down. Incredible! End of movement or opening to a new mode? End of ideologies of left or right? Who dares to perform the first step? And with which foot, left or right? You can also choose neither one of them.

Description #2: While dancing the artist doesn’t have the perception of the lines drew by his body. The whole extension of his body is out of perception. One body among others, without a face, but always with a recognizable trace, that allows easy tracking. Following the animal that Deleuze presents to illustrate the Society of Control, which are in the process of replacing Disciplinary Societies: the serpent on the desert, with coils modeling its body Vs. the mole at the burrow. Through the open horizons of nowadays, we dance, with coils modulating our wannabe-free bodies.

(NO) Description #_: We are talking about dancing here. After the globalization process advanced, it became easier to realize how immanent the whole world is. The old patterns that used to define the concept of frontiers as a limit of no trespassing at all had been severally damaged and replaced by the concept of frontiers that the nomads that fought against the old emperors used: a frontier is an invitation to trespass its own limits. We can be listening to the same songs, the songs that made famous the globalization, but we are insisting in dance in an unusual mode, at a brand new cartography. Welcome aboard through the singularities of the multitude!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Acontecimentalizar



Outra noite dessas, numa aula em que trabalhamos o que pode uma intervenção, digamos, psicossocial e afins... fragmentos de uma degravação...velocidades da fala, do gesto, aqui em letras, palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.novembro de 2009 - PUCMINAS


Acontecimentalizar não é o mesmo que contextualizar. Contextualizar nos indica a necessidade da existência apriorística de um enredo estabelecido, de um mapa já dado, de um tabuleiro, enfim, de um contexto em que tudo o que se encontra pelo caminho deverá ser encaixado.

Aquilo que foge ao contexto, que possui uma lógica que talvez não sejamos capazes de dizer que “tem lógica”, o contra-senso, o ilógico, o non-sense, o improvável, não costumam fixar aderência em um contexto cristalizado.

Já dissemos noutras oportunidades que uma intervenção irrompe quando algo acontece, não acontece, está para acontecer. Eis os três tempos, condições e/ou circunstâncias que costumam disparar uma intervenção e que podem ocorrer isolados ou combinados. Uma intervenção, que aqui chamamos psicossocial, e para isso nos balizamos em meio às contribuições do Movimento Institucionalista (i.e.: Análise Institucional, Pedagogia Institucional, Socioanálise) e da Esquizoanálise. Neste tipo de intervenção a nossa postura deverá ser a de um trabalhar com (não disse “trabalhar.com”, embora não apresente a priori restrições a um “trabalhar.com” desde que não se deixe de trabalhar com, rs.), o contrário de um trabalhar sobre ou de um trabalhar para.

Deleuze nos sugere tratar os acontecimentos tal como estes surgem, com os efeitos que estes produzem, nos guiando pelas raspas da experimentação, fugindo dos excessos de uma interpretação que no mais das vezes remetem a uma busca pela origem. Ele insiste em nos alertar para que evitemos a todo custo fazer de um acontecimento um drama de grandes proporções. Isso nos é complicado, especialmente em dias como os de hoje, em meio à exagerada espetacularização de tudo e de todos. Somos capazes de morrer à míngua à espera dos grandes acontecimentos, enquanto um sem número de acontecimentos ditos menores nos rodeiam, nos atravessam.

Acontecimentalizar, em meio a inspirações advindas do entrecruzamento de Deleuze e Foucault, nos remete à cartografia de linhas, o que se faz no instante mesmo em que estas se elastecem, rompem, cruzam, transversalizam, fogem. E também à genealogia de forças, em que aquilo que mesmo não sendo capazes de descrever cientificamente somos capazes de sentir. O menor e o maior; o que dura mais e o infinitesimal; o mais forte e o mais intenso, mesmo quando sutil.”

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nossos tempos e o desassossego


Em meio ao que por convenção, mais do que por convencimento, alguns costumam chamar pós-modernidade (outros, modernidade líquida, hipermodernidade, supermodernidade, contemporaneidade tardia, etc), de fato temos visto o lançamento de afirmações acerca do fim de um sem número de coisas. O fim da fotografia, do cinema, da literatura, da filosofia, das artes, da escola, do autor… fala-se muito sobre o fim, sempre no sentido de um final, um encerramento das atividades e produções, mas quase nunca se vê surgir na superfície um debate acerca das finalidades a serem atualizadas, dos objetivos a serem renovados, dos possíveis e da afirmação daquilo que se pode buscar (ainda), enfim, das saídas. O catastrofismo apocalíptico impera. Por outro lado, temos também alguns entusiastas que acreditam que as transformações recentes, embora vertiginosas, chegam para somar e são inofensivas e aprioristicamente SEMPRE boas e quase naturais.

A literatura há de sobreviver e se transmutar, a filosofia também. Não sei se são bens duráveis ad infinitum, mas seus processos criativos podem se transformar e se agenciar às máquinas dos tempos vindouros, de tal sorte que ao olharmos a imagem da literatura, a imagem da filosofia, não venhamos a reconhecê-las mais. Híbridas sem perder a fertilidade, dotadas de gadgets em meio às convergências de um pouco de quase tudo conectado a um monte de mais um punhado de coisas… Integrados? Em meio ao pensamento digital? Nanotecnológico? Nós? Em rede? Nós talvez de amarrações frouxas, porém, compondo linhas elastecidas.

Houve um tempo em que se falava que a literatura havia se tornado o ofício de jornalistas… e agora que em nosso país os jornalistas não carecem mais de diploma para o exercício de suas funções? Como vai ser? De todo modo, um diploma quase nunca fez falta a escritores e artistas… falo de um diploma a qualificar/condecorar um tipo de expert nesses ofícios.

Amigos meus do campo das artes também falam acerca de um endereçamento das artes a uns poucos privilegiados, interessados, sensíveis… embora eu concorde que as artes estejam para poucos, isso não lhes garante o ar, dito puro, da aristocracia. Não, não é superior.

Hoje nos exigem uma potência de ação capaz de dar inveja a Homero, Leonardo da Vinci… temos que ser multifacetados, multimídia, polivalentes, líberos, prolíficos, capazes de tudo em meio a regimes de tempo flexíveis e noções de espaço líquidas. Justamente em tempos nos quais, dado o volume de informações e sua velocidade de ampliação, não nos é possível dominar a multiplicidade de produções, nem mesmo de um campo de especialidade, o que dirá de mais de um, a um só golpe.

Temos um volume de escritores, não de literatura, que supera de maneira assustadora o número de leitores… eis um paradoxo… em nossos tempos há mais escritos sendo produzidos do que lidos. Quem escreve, não lê? Bom, ler, ao menos para mim envolve mais do que simplesmente reconhecer letras a partir da captura fisiológica que os olhos nos permitem.

As chamadas novas tecnologias trazem nuances renovadas aos problemas de nossos tempos, mas n’outros tempos, outras tecnologias também acrescentavam desafios desassossegadores.
Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Rizoma, no princípio era o verbo


Noite dessas, numa aula em que trabalhamos a noção de Rizoma de Deleuze e Guattari...
fragmentos de uma degravação...
velocidades da fala, do gesto, aqui em letras,
palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.
outubro de 2009 - PUCMINAS
"Um rizoma começa pelo meio, se nasce, nasce de uma ruptura, de um fluxo que cortado dá vazão a outros fluxos que jorram aqui e acolá. Não parte em busca de uma origem, não persegue um falso problema, pois este não permitiria o engendramento de um rizoma, de suas linhas em atividade contínua. Aliás, Henri Bergson, filósofo francês, aquele mesmo que segundo Deleuze afirmou a intuição enquanto o método por excelência da filosofia, nos ensinou a importância de distinguirmos os falsos dos verdadeiros problemas. O que é um falso problema? É o tipo de problema que nos paralisa, não permite movimentos, embora haja gastos de energia vital e a noção errônea de que estamos avançando. O verdadeiro problema é aquele que nos atravessa, nos impulsiona, nos põe em movimento. Já discutimos o quanto um corpo é importante no processo de pensar, pois acreditamos que pensar se dá através do corpo em meio a outros corpos, não dentro ou fora do corpo, mas através do(s) corpo(s). Pensar e suas visceralidades... também não acontece apenas dentro da cabeça ou exclusivamente dentro de um cérebro. Precisamos nos lembrar aqui daquele que costuma ser celebrado como um dos pais da subjetividade moderna, Descartes, e o artifício da glândula pineal. Na época de Descartes era necessário apontar onde o pensamento reside, onde se aloja, onde acontece... havia muita pressão da comunidade científica, não menos do que nos dias de hoje. Pensar se dá mundo afora através do que pode um corpo. Também discutimos que pensar não é a mais fácil das atividades humanas, tampouco a mais freqüente, embora tão comum. Sim, pensar é algo comum, tal como deveria ser todo exercício cotidiano, porém muitos de nós pensam que pensam - o que não deixa de ser um pensar - embora mais afim com as possibilidades diminutas de se entreter com um falso problema. Para pensarmos nos é necessário um problema, tanto melhor quando se tratar de um verdadeiro problema. Pensar não é algo que se dá distante das forças em jogo, em tensão, em uma Vida. Vamos pensar a distinção entre o beijo e o ato de beijar inspirados nos estóicos. No beijar não há beijo, há saliva, carne, lábios, dentes, libido, desejo, mas beijo... não há. Beijo é uma noção estática, sedentária, cristalizada... mera representação, captura do movimento de beijar. O mesmo pode ser dito acerca do pensar: no pensar, então, não haveria pensamento. Ao menos não o pensamento tal como um bloco estático, propriedade privada, um já dado à espreita nas esquinas. Como se fosse mesmo possível dizer: o pensamento de Kant, o pensamento de Hegel... “Aqui está o pensamento de Kant, coloque-o no bolso!”; “Aqui está o pensamento de Hegel, segure-o bem firme nas mãos!”. Não deveria, pois, haver pensamento enquanto categoria estática, sedentária, mero produto... pensar tem mais relações com um processo, às vezes errático. Com o rizoma é a mesma coisa, só há rizoma quando se trata de conexões em movimento. O rizoma não é uma estrutura, tampouco uma função... o rizoma é um funcionamento, ou melhor, um funcionar, que pode se dar de maneira avariada, incompleta, randômica, nômade. Das conexões, podemos dizer que este princípio não se dá isolado do princípio da heterogeneidade, junção entre inusitados, entre diferentes, entre absurdos, entre singularidades que compõem em seus agenciamentos todo um rol de multiplicidades entre lógicas que de tão distintas fazem às vezes de ilógicas, a-significantes. Pois quando estamos diante de algo cujo padrão não fomos capazes de mapear, prontamente dizemos que tratar-se-ia de algo ilógico, não damos o braço a torcer, defendemos a todo custo nossas vaidades de expert. Não somos humildes o suficiente para reconhecermos a nossa incapacidade de mapear todas as lógicas. Daí a necessidade de um cartografar, que ao contrário de um mapa que representa um todo estático, nos exige um lançar-nos em meio a linhas de toda sorte. A cartografia, tal como nos sugere Rolnik, é um exercício dinâmico, orgânico, em que traçamos as linhas de uma paisagem no instante mesmo que elas se diferenciam. O heterogêneo nos cerca, nos desassossega... neste instante o que é heterogêneo para você?"

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Afirmando o devir dos dias de hoje


“De que amanhã...”, frase de Victor Hugo, que dá nome a um livro assinado por Roudinesco e Derrida, servindo-lhes de pretexto para que os dois disparassem a argumentar acerca de questões, as mais diversas, que atravessam e compõem os nossos tempos, com a urgência do hoje, a definirem o porvir. Nossos tempos? Ou estaríamos imersos no exagero da flexibilidade de tempos que já não nos pertencem mais, palco de um conflito sem fim entre Cronos e Aion, que Sennett tão brilhantemente soube problematizar em seu livro “A Corrosão do Caráter”. Tempos que já não nos pertencem ou jamais nos pertenceram, tal como a placa de bar “fiado só amanhã”. Ou tanto pior, tal como em James Bond 007, “O amanhã nunca morre”, frase que bem serviria de slogan para o cenário apresentado por Foucault em sua análise das Sociedades de Disciplina, em que não se termina nada, os processos são abandonados sempre inacabados. Sinto também, como muitos de nós, o mal-estar e a ansiedade em meio aos embates de forças entre regimes de tempo que se atualizam relacionados ao desajuste frente às expectativas em tensão, às promessas e à preguiça (inimiga mortal do bigodudo do martelo), geradores de ressentimento e de má consciência. Tempos que para chamarmos de nossos precisam ser conquistados, roubados, produzidos, comprados, consumidos, exauridos em meio aos contra-tempos (que são modos de ruptura, bolsões de tempos intensos, lufadas de ar, brechas para o pensar-sentir, para o advir de experiências, tal como nos sugerem os aliados do Movimento Institucionalista). Nossos ou não, a esses tempos, os dos dias de hoje, costumamos denominar contemporaneidade, embora eu tenha extrema dificuldade em balizar o que me é contemporâneo. Sinto-me contemporâneo de Mozart, tanto quanto de Jeff Buckley ao escutar as composições destes dois cavalheiros; sinto-me, a cada noite em sala de aula, contemporâneo dos nossos antepassados que cobriram as paredes das cavernas com as imortais pinturas rupestres, quando atualizo o mesmo gesto destes borrando a lousa branca (antigo quadro negro de cor verde) com um monte de diagramas e palavras com a pretensão de ajudar no processo de produção de conceitos; sinto-me contemporâneo de muitos de meus intercessores de séculos variados, estes mesmos que vocês costumam ver presentes em meio aos meus escritos.

E a contemporaneidade tem recebido muitos nomes: Modernidade Líquida, por Bauman; Hipermodernidade, por Lipovetsky; Supermodernidade, por Augé; Pós-Modernidade, por Lyotard e Maffesoli; e ainda temos as contribuições de Latour e seu Jamais fomos Modernos. Todas estas análises apresentam elementos coerentes e consistentes, mas que isoladamente não nos dão condições de certeza acerca do que está acontecendo e que nome dar a este recorte de acontecimentos. A angústia do homem se acentua, talvez porque em meio a este furor semiológico e taxonômico ele tenha se esquecido que o nome de uma época é dado quando adotamos a convenção de que aquela época passou e já estamos em uma “nova vibe”. O instrumento predileto da maior parte dos historiadores é o espelho retrovisor, no gesto de olhar para trás científico na busca desesperada por padrões de sossego, “Oh, naquele tempo era assim...”.

Longa Vida às incertezas e ao desassossego! E tudo o mais que nos põe a pensar-sentir. Resistir ao presente, tal como nos sugere Deleuze, buscando na potência da invenção de um mundo possível, neste mundo, por meio de modos de existência em imanência com tudo o quanto há, o bom e o ruim, no aquém e além entre estes, na cartografia das margens dos que estão às margens, na explosão de forças criativas que nos inspiram e nos ajudam sempre no sentido de extrair das fragilidades uma potência.

Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro.

domingo, 1 de novembro de 2009

Barthes e o devir-ciclista do professor

Em seu texto "Escritores, intelectuais e professores" publicado na coletânea "O Rumor da Língua", Roland Barthes dá ênfase à fala como afecção principal no ofício do professor. Ele menciona que o professor está condenado por meio de sua fala, tal “como um ciclista ou um filme a andar, a prosseguir, se não quiser cair ou encravar-se". A fala, cuja velocidade de enunciação deve ser mantida, tal como a velocidade das pedaladas de um ciclista, tal como a seqüência de imagens em movimento de um filme. Dar consistência a uma fala, tal como Eisenstein nos dizia acerca da dificuldade em manter a coerência e a consistência ao longo da gravação e posteriormente da edição de um filme me faz recordar Antonioni quando este dizia que a verdadeira trilha sonora de um filme são os silêncios entre as cenas. No caso da fala não há como editá-la em tempo real, há? Barthes nos diz que a edição na fala, no instante mesmo em que falamos, se dá por acréscimo, pelo uso de expressões corretivas do tipo: “quero dizer”; “ou melhor” que são acrescidas em meio à fala, já que não podemos apagar o que foi dito. Meu maior receio no tocante às palestras e aulas consiste no apagão, em ficar literalmente sem palavras, especialmente me preocupo com as palavras iniciais, as primeiras pedaladas, as primeiras cenas de um filme-falado, tenho medo de devir-ator de cinema-mudo. Quisera eu ter a potência de ação de um Buster Keaton, de um Charles Chaplin, de um Edward Mãos de Tesoura, e a força de expressão de um cinema-mudo. Mas o ensinar-aprender tornou-se há muito um palco para a verborragia. Falamos demais, em demasia, sobre tudo e sobre todos. Tal como uma aranha estamos condenados a nos lançarmos por meio da teia que tecemos. Não é a aranha que lança a teia, mas sim a aranha que se lança por meio da teia. A aranha conecta sua teia a uma extremidade sólida (parede, galho de árvore, etc.), tal como o professor se gruda aos conceitos, e se lança conectada a sua teia aproveitando o peso de seu corpo que é levado pela corrente de ar até esbarrar n’outro objeto sólido. Unindo um ponto a outro a aranha volta ao ponto de partida e inicia novamente o movimento de lançar o corpo através da rede, inúmeras vezes, até compor sua tela de captura. Sobre isso Deleuze em L’Abecedaire Gilles Deleuze, falando sobre sua teoria dos signos nos diz que “uma aranha: tudo o que toca sua tela, ela reage a qualquer coisa, ela reage a signos. E eles produzem signos, por exemplo, os famosos signos...”. O professor e sua rede, sua teia e as moscas, alunos, conceitos, ruídos, como o contra-ponto a este emaranhado rizomático de linhas de toda sorte.

No tocante à necessidade de trabalhar com a modulação de velocidades em uma aula, como devir-ciclista ou devir-cineasta em meio ao estrato-professor? Não seria o mesmo que devir-aranha?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Twitter: uma paixão alegre ou triste?

Uma resposta minha a mais um pertinente post de Alex Primo
Gosto da frase do Valéry que o Deleuze cansou de citar "o mais profundo é a pele", e na pele do William Bonner e de outras tantas figuras públicas escorre um tipo de suor frio dado o brilho dos holofotes sinópticos a perseguir as celebridades e figuras conhecidas em meio à multidão. Ao pensar nesse exemplo, atrelado à noção de Sociedade de Controle por Deleuze, de fato me pergunto onde está o fora e o dentro, em que momentos se sai de um buraco (tal como a toca da toupeira) e se entra em outro, ou se já não estamos sendo modulados, (tal como a serpente pelos anéis ao redor de seu corpo), pelas dimensões que um corpo hoje ganha/perde. O que pode um corpo? - pergunta espinosista... e seu avatar? De que afectos é capaz? E quanto à sua potência de ação? Seria o twitter uma paixão alegre ou triste? ... e o real, e os habitantes deste deserto do qual nos fala Zizek, o próprio Zizek anda twittando, literalmente anda e twitta... seria o real Zizek ou um fake? Real ou fake estes afectam e são afectados e ganham/perdem seguidores.
Além e aquém à resposta acima que postei como comentário no blog Dossiê Alex Primo, andei twittando... e twittar tornou-se um verbo de uso corrente no cotidiano de muitos desde que a modalidade micro-blogging Twitter tornou-se célebre...
O mundo ganhou novos contornos a partir do advento dos 140 caracteres e da pergunta que por hora não quer mais calar : "O que você está fazendo?", cujas respostas frenéticas nos dão a impressão de que há muito sendo feito aqui e acolá, o que pode não estar de fato acontecendo, ao menos não na proporção que tanto se comenta. De todo modo o Twitter coloca em xeque a verborragia, ou ao menos a cadencia, forçando os faladores excessivos a se pronunciarem por etapas, numa espécie de gagueira, cuja estratégia de fuga pode ser a de disponibilizar um sem número de links aqui e acolá, esticando alguns dedos de prosa a mais. Nessas horas me pergunto se o Twitter realmente trabalha no limite dos 140 caracteres por postagem... parece que não, como quase tudo no ciberespaço, dimensão e duração, espaço e tempo, velocidade e lentidão, ganham novas configurações na discussão. Alguns se perguntam se o Twitter veio para ficar ou se será mais um dispositivo efêmero como tantos outros, que tal como uma febre de verão, surgiram, contaminaram e foram embora, substituídos por novas parafernálias. O fato é que este dispositivo de comunicação e os modos de expressão que este agencia tem atraído usuários de toda sorte e funcionado tal como um "analisador high tech", atualizando o sentido que o conceito de analisador oriundo da Análise Institucional nos apresenta, a desvelar estratos em nossa sociedade e suas instituições, cada dia mais integradas e ao mesmo tempo mais apocalípticas. Instituições twittando, celebridades twittando, ricos, pobres e agentes autônomos com arquiteturas informáticas twittando em loop, uma festa! Uma guerra! Só não podem twittar os artistas de Hollywood, foram proibidos desde que começaram a dizer o que estavam fazendo e a entregar de bandeja informações secretas acerca de produções fílmicas milionárias. Aliás, teriam sido eles mesmos a divulgar tais valiosas informações confidenciais, os deuses hollywoodianos, ou seus fakes? Ou seus assessores de imprensa, ou seus fãs? Alguns perfis de Twitter agora apresentam um selo comprobatório de autenticidade: "Este perfil é mesmo do fulano de tal..." - quem me garante? O discurso acerca das identidades volta à cena, seria mesmo o fulano, o beltrano, o cicrano ou alguém se fazendo passar por outrém, lançando enunciados aqui e acolá? Isso perde a importância na medida em que sendo ou não sendo temos ali um turbilhão de afecções e afectos sendo disparados a influenciar movimentos, decisões, escolhas, e legiões de seguidores. Identidades provisórias verdadeiras ou não movem blocos de 140 caracteres ou mais, enxurrada adiante. E pensar que o problema iria parar no avatar. Poderíamos pensar que o episódio das recentes eleições presidenciais de 2009 no Irã, que já foi comentado por um zilhão de blogueiros e micro-blogueiros, em que o Twitter, mais pela ineficiência das autoridades de segurança da informação iranianas do que por qualquer motivo, conseguiu burlar o controle que impedia a divulgação de informações acerca da insurgência da população nas ruas que eclodiu mediante a suspeita de fraude eleitoral no país e bateu recorde de acessos e posts em âmbito global? "As estruturas não caminham pelas ruas.", frase do maio de 68 francês. E os avatares? E pensar que... como pensar e expressar o pensar em 140 caracteres? Quantos encontros se bons ou ruins? E ao mesmo tempo o que se intensifica em meio a twittadas e seguidores? É visível o aumento na potência de ação?
Você pode me seguir através do Twitter em @RogerioFelipe ("Follow me, don't follow me...")

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

[2ª edição]... entre as afecções do carrapato e Spinoza


Ainda não sabemos do que um corpo é capaz, de que afectos é capaz. Há um belo exemplo extraído da etologia de Uexküll por Deleuze no seu trabalho com o polidor de lentes, Spinoza. O exemplo do carrapato. E a sugestão de começarmos com um animal de uma multiplicidade de afectos relativamente menor é apropriada. Um carrapato é capaz de ficar cristalizado, inerte, em uma espécie de estado de hibernação, dado como morto, um devir_mineral, por um longo tempo... semanas, e isso para um carrapato é quase uma eternidade. E assim ele fica até que um corpo_outro cruze o seu espaço, seu território, atravesse a fronteira em uma distância menor, que permita um encontro, daí, de um salto só, o carrapato se lança ao encontro com um corpo de outra espécie (melhor se for um corpo de sangue quente). A vida de um carrapato, que antes estava no registro de um tempo vazio, passa agora a funcionar de outra maneira. Um carrapato “sabe”, ou melhor, sente, que agora que “começou” a viver, de outra maneira, ele tem poucas horas de Vida, uma Vida intensiva. Ele come, caga e procria. Ao final de uns poucos dias ele está morto. Poderíamos separar e interpretar esta cena, Hegel nos ajudaria com sua dialética. Teríamos de um lado, se assim o quiséssemos, um parasita e um hospedeiro. Mas um carrapato não conhece Hegel, dispensa a sua dialética, nem quer a ele(a) ser apresentado, da mesma forma, aqui vale a pergunta, como numa dança, vale a pena, para um corpo, com Hegel dançar? Ou seria melhor buscar outros pares? Você dança(ria) com um corpo? Sim, o Bigode (Nietzsche) e tantos outros morrem, sem cessar, mas nós sabemos que no morrer não há morte, e os estóicos também sabiam disso (antes de tb morrerem). Existe uma potência no trapo, na fragilidade, na doença (que aqui não merece ser compreendida como o contrário de saúde, mas como um modo de saúde diferente. Tampouco saúde e/ou doença, aqui são estados, mas movimentos). E uma possibilidade de efetivar conexões, o que permite a entrada de ar na arte, mesmo quando a proposta nos lança a um m-ar de águas densas, em que após o mergulho voltamos à superfície com olhos_vermelhos_provocantes.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

... um passo além e aquém da esperança


"(...) vem, vamos embora que esperar não é saber. quem sabe faz a hora, não espera acontecer." - Geraldo Vandré

... um passo além e aquém da esperança, rumo à afirmação da vontade ou ao aumento na potência de ação.

É que me lembrei destes versos lendo o seu texto.

Oh memória heurística! Lembro-me, atualizando belas reminiscências neste instante, que meu encanto com as coisas da Vida começou atravessado pelo existencialismo de Sartre, Beauvoir, Camus e Binswanger, Jaspers... Na psicologia existe uma abordagem que é a existencial-humanista, nunca fui humanista, e nem reconheço tanta coerência nesta junção/síntese (uma coisa são duas coisas juntas, outra são duas coisas que se tornam uma... gosto de misturas desde que impuras, tal como Blanchot nos fala acerca da distância absoluta "entre", que não se desfaz, que não se anula... que nos é imprescindível.). Mas o existencialismo, tal como a filosofia nos apresenta este campo, desde as influências de um Kierkegaard e de um Nietzsche (que não são filósofos existencialistas) me atravessou com muita força, já faz alguns anos para trás, e ainda reverbera pelo meu corpo vibrátil. De lá para cá, quantas outras águas, fogos, fluxos, fluidos, excrementos, detritos de toda sorte já não marcaram presença por aqui.

Pois bem, isto sim tem a força de um mantra! Na hora sem sombras... o maior dos pesos, oh puxa! Este bigodudo e seu martelo. Você colocou bem a coisa e estes versos nietzscheanos são de uma força descomunal, o imperativo do desassossego, um convite ao posicionamento ativo-afirmativo frente à Vida.

Das lembranças trago ainda o David Foster Wallace, que você me apresentou e que n'outro dia, um querido amigo, ao telefone me perguntou se já o havia lido. Acho que senti algo que se pode agenciar a estes versos nietzscheanos nos escritos de D.F.W. atravessando o meu corpo. Crítica e Clínica!

Este fim de semana estive lendo mais uma vez em "Espinosa: filosofia prática" de Deleuze o texto "As cartas do mal" correspondência travada entre o polidor de lentes e o jovem Blyenbergh. O jovem Blyenbergh quase consegue tirar o príncipe dos filósofos do sério com indagações acerca do mal, que o polidor de lentes diferencia do mau usando dos argumentos acerca da imanência. Este texto é incrível e reforça o que o polidor de lentes já havia apresentado na Ética como definição para Razão. Razão como a arte de estabelecer bons encontros. Eis outro belíssimo mantra! A arte de estabelecer bons encontros aproxima o filósofo do martelo e o polidor de lentes, aliás, o próprio Nietzsche já se sentiu próximo ao polidor de lentes, tal como numa espécie de solidão a dois, após seu bom encontro com o texto espinosista. Os bons encontros aumentam a nossa potência de ação o que mediante a implacável força do eterno retorno pode nos trazer um peso outro. Peso-mosca, na linguagem dos boxeadores, aqueles que nunca baixam a guarda... ou seria peso vespa-orquídea?



Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto meu em resposta ao post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Anti-Édipo, um livro-bomba


De maneira aparentemente despretensiosa costumo me referir ao livro escrito em meio aos efeitos do calor das barricadas, durante os acontecimentos de maio de 1968, na França por Deleuze e Guattari e publicado em 1972, O Anti-Édipo, primeiro tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, como um livro-bomba. O mesmo talvez possa ser dito a respeito do livro O Psicanalismo de Robert Castell e de mais um punhado de livros por aí, alguns ainda por-vir. Aliás, o próprio Castell chegou a dizer que, em O Anti-Édipo, D&G conseguiram imanentizar Karl Marx e Sigmund Freud, especialmente pelo agenciamento entre desejo e produção. É evidente a crítica à psicanálise em O Anti-Édipo, ao Estruturalismo, ao paradigma da Representação, aos elogios exacerbados atribuídos à salvadora dialética, como também ao modo extremamente enfadonho sob o qual as idéias de Marx às vezes são empregadas. Há ali uma infinidade de conceitos a inspirarem mais e mais ações em toda parte: multiplicidade, corpo sem órgãos (com inspiração em Artaud), máquina desejante, o inconsciente tal como uma usina em produção, etc. Mas afinal o que é um livro-bomba e do que ele é capaz?

Os livros-bomba são capazes de fazer o chão tremer, de agitar nossas moléculas, de colocar em movimento as multidões que nos atravessam, de desestabilizar estruturas, de cavar buracos em meio a sistemas, de introduzir violentamente lógicas caógenas de mapeamento complexo, de nos apresentar inomináveis, de quebrar ritmos, de nos envolver em meio a blocos de sensação que giram tal como dervishes, de quebrar velocidades acelerando lentidões, de explodir conceitões ou idéias justas já dadas aprioristicamente, de denunciar engodos absolutos ou falseamentos naturalizados, de subverter e transmutar conceitos, de rachar as coisas, de motivar entrelaçamentos a-significantes, além de travessuras outras. Um livro-bomba é um puro acontecimento, como nos diriam os Estóicos.

E ao mesmo tempo é estranho o que costuma acontecer com livros-bomba, ocorre com eles uma espécie de desaparecimento, de dar inveja a Blanchot. O livro O Anti-Édipo teve uma edição brasileira, cuja capa lhes mostro na figura acima, e sabe-se lá porque motivo, não tivemos a sorte de uma nova edição em terras brasileiras deste livro que no momento encontra-se esgotado. Reza a lenda que a Editora 34 está preparando uma nova edição deste livro para ser lançada em breve no nosso país, mas isso eu ouvi de boca pequena, não posso lhes garantir a veracidade da informação.

Talvez O Anti-Édipo sofra do mesmo mal que O Capital de K. Marx, tornando-se mais um dentre os mais citados e menos lidos livros de que já tivemos notícia. E a poeira come solta pelas prateleiras das estantes, mundo afora!


Também de maneira despretensiosa uso o termo livro-mágico para me referir a outros tipos de livro. Considero o segundo tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, Mil Platôs, também escrito por Deleuze e Guattari, assim como as duas aventuras de Alice, no país das maravilhas e do outro lado do espelho, de Lewis Caroll, o livro das ignorãnças de Manoel de Barros, dentre muitos outros como livros-mágicos. Alguns hão de preferir utilizar a expressão caixa-de ferramentas, eu prefiro apelar para a magia, a potência mezzo-xamanística, ou a tudo aquilo que (ainda) pode advir da maleta do Gato Félix.

Quanto ao livro-mágico quase nada sabemos acerca do que este é capaz. Mas pode apostar, há mágicas e invenção entre suas linhas, a nos inspirar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Exposição: Diverso Adverso

... daquilo que se pode esperar da arte em nossos tempos.
Honestamente não se pode esperar muito, como sempre, mesmo porque não é função da arte nos iludir com esperas, tampouco nos inflar com esperanças. Aliás, discutir a função da arte, ou mesmo suas funções não costuma nos levar muito adiante. Novamente sugiro neste caso que pensemos como a arte funciona e o que convoca a funcionar, e isso só faz sentido quando nos dispomos ao encontro com a arte em pleno funcionamento. Este encontro nos exige a disponibilidade de um corpo, naquilo que pode um corpo, corpo-vibrátil, como nos sugere Suely Rolnik, corpo com suas sensibilidades ativadas num modo pensar-sentir. Pois nos é necessário pensar e sentir com a arte e o que ela dispara, atravessa, replica, raspa, compõe, agencia, destrói, devora, regurgita, produz... tantas ações, um rol de possibilidades em meio a um "Blocos de sensações, um conjunto de perceptos e afectos", tal como no livro "O que é a Filosofia?" Deleuze e Guattari nos convidam a pensar e sentir a arte e suas facetas.





Convido-lhes a visitar esta exposição e no encontro com a arte desfrutarem das sensações nos limites do que pode um corpo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Trabalhando com os petardos de Spinoza

Raspas da preparação de uma aula que está para acontecer nas próximas noites, em que pretendemos trabalhar com conceitos de Spinoza, eis um pseudo-diagrama com alguns dos petardos desse polidor de lentes. Oh, puxa! Trabalhar com Spinoza, aquele mesmo que povoou a solidão a dois de Nietzsche. Aquele mesmo a quem Deleuze chamava o "Príncipe dos Filósofos". Não é fácil trabalhar com Spinoza, assim como também encaramos dificuldades com Nietzsche, com o próprio Deleuze. Mas, ao mesmo tempo, como estes e mais alguns outros camaradas, especialmente quando os encontramos em bando, conseguem nos fornecer incríveis substratos de inspiração para darmos conta das forças em tensão do cotidiano, no exercício da razão, definida por Spinoza como a arte de estabelecer bons encontros.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Instant Replay



"Falling is so much like learning
when we are awake.
Dreaming is so much like living
when we are sleeping.
Don’t talk too much about us
it’s such a waste of time.
Meet me at the scene of the crime."


_____________________________________________________________________________________
Yes, it happened years ago, I was a singer and also wrote a few songs.

A criança e a cadeira

Como um não-filósofo, acredito que minhas colocações tenham o mesmo peso tal como se por uma criança fossem aqui apresentadas. Não confunda a criança com o infantil que costuma ser jogado sobre ela, soterrando-a, de modo a fazer com que caricaturalmente ela se pareça sempre com um ente inferior ao adulto. E não sou daqueles que dizem que há uma criança dentro de mim, pois isso não há. O que há dentro e envolto por uma pele porosa e altamente atravessável, se for realmente necessário estabelecer dentros e foras, são vísceras, líquidos e outras mazelas, mas não se tem notícia de nenhuma criança. Por outro lado, ao ler o seu texto agencio minhas idéias às de uma criança, pois as crianças não se interessam muito sobre a função das coisas. Elas não param mediante uma explicação do tipo: “isso serve para aquilo, eis sua função e logo, sua utilidade”, às crianças interessa mais e efetivamente como as coisas funcionam, quando funcionam, mesmo que avariadas, mesmo se inúteis. “Como funciona?” é uma pergunta diferente e muito mais efetiva do que “Qual a função?”. Mesmo porque muitas das funções de tudo e de todos passam longe de como tudo e todos funcionam de fato, ou quais as utilidades prescritas. Uma cadeira: responda a uma criança o que é e qual a função de uma cadeira, e ela logo usará o próprio corpo para extrair deste objeto modos de colocá-lo para funcionar considerados pouco ortodoxos. Nas escolas e outros espaços de formação se ensina bastante acerca das funções de tudo e de todos, mas raramente se trabalha as sensibilidades em nós para apreendermos como tudo e todos funcionam. Nosso ensino é no geral excessivamente teórico-abstrato, mezzo-platonizado, e, tal como Deleuze e Guattari nos fazem pensar através do livro “O que é a Filosofia?”, pelo fato dos professores serem no mais das vezes os porta-vozes da ciência, e à ciência compete definir e classificar funções, se ensina as funções de tudo e de todos. Mas e quando não funciona ou funciona de modo diferente? O que fazer? Mudar a função?
Oh-ouh! Quando os órgãos prestam um desserviço ao corpo, há meios de se escapar do juízo de Deus e seus organismos e criar para si um Corpo sem Órgãos, tal como nos sugere Artaud?
Mais um texto meu em resposta ao post de Jason Manuel Carreiro no blog Não Há Pensamento Raro

green grass fields forever

sábado, 3 de outubro de 2009

às margens do pensar em devir

... por vezes pensar se dá por atravessamentos e atrevimentos. Entre corpos, nem dentro, tampouco só fora. Somos atravessados e atravessamos, nos atrevemos. Corpos podem ser de todo tipo, de toda natureza, matérias em decomposição-composição, moléculas em salto acrobático. Há ainda a insistência por se localizar no cérebro algum sinal do logradouro do pensamento. Não encontraram nada por lá (ainda). Vocês se lembram de Descartes e o episódio da glândula pineal? Anedotas a parte, não me importo mesmo acerca do que costuma ser denominado “o pensamento”, parecem tratá-lo muito mal, tal como se fosse algo estático, uma espécie de produto que pode ser embalado e vendido: “o pensamento de Kant”, “ o pensamento de Hegel”, e se não for distribuído através de uma editora de renome, divulgado por alguém com o devido pedigree não serve, não presta. Pensar para mim tem mais a ver com processo, em que riscos estão envolvidos, os mais diversos. É de um atrevimento imenso pensar nos dias de hoje, algo raro inclusive, que não ocorre simplesmente ao bel-prazer de uma contemplação, mas, mais por uma urgência que nos lança ao desafio descomunal, mergulho no desassossego, postura de inquietude e estranhamento, forças em tensão, à semelhança de um encontro com um tufão. Pensar, que seguindo as mais belas “fábulas” estóicas pode se dar mesmo quando pensamento não há. Não há pensamento já dado, aprioristicamente, quieto, parado, inofensivo. Pois se no beijar não há beijo, mas sim saliva, bocas, lábios, desejo, sapinho, bactérias, gengivas, dentes, mãos bobas... talvez o pensar se abstenha da necessidade de se parar mediante a cristalização de algo que sejamos capazes de denominar de maneira definitiva e absoluta “o pensamento”.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

un peut plus sur la pensée du rhizome




...animando o conceito de devir de Deleuze e Guattari

... um diagrama do conceito de devir em D&G, um punhado de categorias e suas relações. Pretexto para prosseguirmos hoje à noite numa animada conversação iniciada na última terça feira com um bando de psicólogos em formação em Belo Horizonte.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

pergunte ao ornitorrinco

Um animal que é pura bricolagem do desassossego, imagem da aventura do pensar sem imagem, animal outro, o avesso da lógica, performance da evolução-involução, intervenção no mamífero em encontro com a ave pato ou esquizomamífero, devir raspas d'um n'outro, cartografia da incerteza animal, ou "a prova de que Deus tem senso de humor", conforme Woody Allen.

-Pergunte ao ornitorrinco.

não interprete, experimente.


ensinar-aprender em tempos como os nossos

… e a Sandy decidiu estudar psicologia. E não só ela, e também não só a psicologia entra em cena nesse debate, pois assistimos, ao mesmo tempo em que participamos de certo modo, do desfile cotidiano de uma multidão que se aglomera entre as carteiras dos espaços de formação de terceiro grau, pós-graduação, cursos seqüenciais, etc. Espaços estes que podem ser faculdades, universidades, colégios, e outras sortes de organização por aí… no Rio vi que o CCAA, que antes era uma organização que oferecia cursos de idiomas também oferece há poucos anos formação superior. Vocês já notaram como nossos outdoors andam forrados de propagandas de escolas, faculdades, universidades, etc? Já leram o que vem escrito aqui e acolá? Já perceberam a guerra da mensalidade mais em conta? Os outdoors antes propagavam eventos, shows, serviços… e agora? O sonho de toda escola/colégio é oferecer este tipo de formação continuada, dita permanente, tal como Deleuze nos apresentou como índice das Sociedades de Controle. Eis alguns dos efeitos da democratização do ensino dito superior. Enquanto isso, a educação dita de base (vou utilizar termos ultrapassados, pré-escola, 1º e 2º graus) é deixada um tanto de lado. Quando falamos de professores mal remunerados, estes existem em todos os cantos, em todos os níveis, mas especialmente nas escolas públicas de formação de base. Um professor se vê obrigado a sair de um espaço para ir a outro, um tipo de nomadismo pouco potente, já que os verdadeiros nômades, conforme Toynbee, D&G, são aqueles que não necessariamente se movem fisicamente. O professor tem que fazer malabarismo, saindo de uma escola e correndo para outra… atravessando a cidade para complementar a sua renda. Mas o que acho que está em jogo vai além da remuneração… falo do tempo disponibilizado para a preparação das aulas, para o desenvolvimento de pesquisas, para a capacitação, para a Vida… tempo de experiência! Ah, professores aulistas, oh-ouh! Não são muito diferentes de burocratas, ou melhor, não têm condições de trabalho muito diferentes destes últimos. Embora eu conheça um sem número de professores aulistas que resistem bravamente no front, sendo extremamente criativos no exercício desta apaixonante aventura de Vida que é tornar-se professor a cada dia, mesmo quando as condições são inapropriadas. Sou professor aulista, só para deixar bem clara esta afirmação. Três vivas a estes bravos guerreiros! Falo também de recursos tecnológicos defasados e enfadonhos (como ensinar-aprender em meio à geração twitter, msn, facebook?)… Voltando à formação dita superior, seus alunos quando concluem os cursos saem com seus diplomas em punho em busca de um lugar ao sol no mercado selvagem que nos “cercatravessa”. Sim, estamos no mercado, nós e todo mundo, pode apostar, inclusive os que não conseguem um lugar digamos “formal” no tal mercado, pois os de fora estão dentro, os desempregados estão dentro, pode apostar! Gosto da idéia de CMI (Capitalismo Mundial Integrado) de Guattari, que, especialmente nos idos de 1980, em meio ao cenário bipartido da guerra fria dizia que do outro lado da Cortina de Ferro residia um outro tipo de capitalismo, o que lhe permitiu cunhar o termo capitalístico. Alunos pouco interessados sempre existiram e provavelmente se perpetuarão. O mesmo pode ser dito dos professores, dos gestores em educação, dos políticos que debruçam seus olhos sobre esta temática… de todos nós. Apenas identificar culpados não costuma ser de grande valia na solução de problemas. Mas há aqueles entre nós cujos olhos brilham, aqui e acolá, que vivem intensamente as possibilidades de uma formação ao longo da Vida, como diria Lapassade. Uma formação imanente, e há a possibilidade de aulas que funcionam como verdadeiros acontecimentos em que o ensinar-aprender, processo avassalador, inquietante, movido por desassossegos, da criação de possibilidades também ocorre. Não sei muito bem quanto ao destino dos alunos-gênios, tampouco dos ditos maus alunos (como se mede isso? Por nota? Por QI?). Ainda com relação às inquietações acerca do destino, flerto com o estoicismo na hora sem sombras do pensar e tal como o exemplo que estes filósofos nos dão do guerreiro que ao dar um passo em meio à batalha é acertado pela flecha e assim escreve o seu destino, e permanece de pé diante de seu destino, erguendo-se numa espécie de Vida outra, me ponho de pé. Eis uma outra Vida, continuamos após a flecha.
Resposta publicada também em referência a um post do meu amigo Jason Manuel Carreiro no Blog NÃO HÁ PENSAMENTO RARO

terça-feira, 29 de setembro de 2009

acontecer


a um só golpe, o que acontece? O que não acontece? O que está para acontecer? Eis onde devemos mirar a nossa lupa, se for este o nosso instrumento, nossa luneta, se for esse outro, o pincel, a caneta, a faca... ou sabe-se lá que ferramenta ainda por ser inventada? Que conceitos ainda por serem produzidos. O que está em jogo não são os objetos e suas funções (mesmo as mágicas) mas sim como tudo funciona. Como funciona? Eis a pergunta crucial, a que não se cala. Sobre as funções e os órgãos Antonin Artaud já nos mostrou quais seus desusos no corpo. O Corpo sem órgãos, que noção mais intrigante. um corpo desprovido de um mapeamento apriorístico tal como um mero amontoado de funções... mas a potência de uma multiplicidade de funcionamentos com o corpo. E um corpo funciona, pode apostar, mesmo que avariado, embora ainda não saibamos bem o que pode um corpo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Os Intercessores e o fabular



“Os intercessores são os responsáveis por pegar as pessoas em flagrante delito de fabular”. (Deleuze)

Ora, ora, o fabular, mas o que diabos pode bem vir a ser isso? A guisa de definições, mesmo que pueris, transitórias e inacabadas, percevejo (i.e. ato de perceber e ver) em nós uma tendência a fabular, que pode vir a ser até mesmo contar uma história, desde que inventada e vivível, tal como na literatura prática que Deleuze nos apresenta em seu Crítica e Clínica, tanto melhor se vivida em suas intensidades e não transformada num drama de cunho pessoal. Fabular como invenção de um modo de existência em que afirmamos os possíveis em uma Vida na busca por saídas criativas frente ao que compõe nosso cotidiano.

Infelizmente, no mais das vezes, dispensamos a potência ativa do fabular fazendo-o de modo reativo, negativo, contra nós mesmos, contra a Vida. Sucumbimos assim tal como presas fáceis dos microfacismos vampirescos que nos atravessam e nos pomos no exercício de conspirar contra a Vida, de praguejá-la. A isso, de praguejar a Vida, costumo chamar de síndrome de Datena, vocês conhecem este ás da comunicação e seu telejornal quase que diário? O problema não é ele, nem está com ele ou em seu telejornal, mesmo porque este último funciona mais como um analisador que coloca em evidência a tendência a fabular de modo reativo que nos é tão comum. O problema há muito já saiu da tela do aparelho de TV e invadiu o nosso cotidiano, pois com os elementos presentes no modo de apresentar uma notícia, da maneira pseudo-jornalismo-verdade em que esta é ali e em outros telejornais do mesmo tipo tratada, nós fazemos miséria, sem nos apercebermos o quão miseráveis também nos tornamos. E a audiência confirma a tendência que aqui afirmamos sob o seguinte alerta: nossas fabulações prescindem de serem postas em análise... mais um desdobramento de nossas análises de implicações.

Fabular nos permite extrair da fragilidade uma potência em que desenhamos um ou vários destinos, tal como os estóicos concebem destino, em que criamos personagens conceituais e povoamos o deserto do real. Para atravessar este deserto do real contamos com a presença de intercessores, estes que podem ser dos mais variados tipos (e.g. animais, plantas, minerais, livros, idéias, etc.) e que se põem entre nós, chegando às vezes sem avisar, tal como o vento, se pondo a trabalhar conosco.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

just writingthinkingfeeling

What happens to our kids today? Oh, sorry, I said kids, but I wanted to say students, teachers, politicians, salespersons, mothers, fathers, thieves.... all kinds of our nature. Nature? Whatever is being said here, it doesn't really make any difference., just transitory categories, randomic taxonomy... bullshit... Oh, I said "said"? Wasn't it an experience of writing? welcome to the desert of the real... Desert? Real? What is going on? The words, even concepts... are you there? Is there anybody out there... still reading? Wanna work with me? Most people don't want to think... they want thoughts, already done... just perfect and absolut. They don't want to feel either, especially when feeling is a radical experience with the body. What the F***K is happening in this world? What if nothing happens, or if nothing is about to happen? Forget the IF... it is of no help at all.

domingo, 20 de setembro de 2009