terça-feira, 20 de abril de 2010

Eyjafjallajökull, o vulcão que não permite dizer o seu nome


A Islândia, país com a maior quantidade de músicos per capita, que já nos deu Björk, Sugarcubes, Tappi Tíkarrass, Sigur Rós, Amiina, Múm, entre outros, apareceu nas últimas semanas nas manchetes dos jornais pelo mundo em virtude de um diferente tipo de barulho. O barulho provocado pelo bafo quente e pelas cusparadas do vulcão Eyjafjallajökull, aquele que não nos permite dizer o seu nome.

Barulho este seguido de fumaça e de debates acerca do homem e sua relação com os recursos naturais e também os econômicos. De minha parte, costumo fazer com alguma freqüência a seguinte pergunta: Naturais? O que há de natural nos dias de hoje? Quase tudo é mistura, quase tudo é mestiço, quase tudo é artifício, é mentira... por que o “tudo”, categoria há bastante tempo tão duvidosa? O fato é que a pureza já se foi, deixou órfão e viúvos, quando foi colocada para correr a largos passos, assim como os recursos ditos naturais também se vão, se transformam. Só não concordo com os debates exagerados e inconsistentes, recheados de hipocrisia, que envolvem os mais exaltados na defesa do meio ambiente, quando muitas vezes, estes mesmos defensores não abrem mão das benesses produzidas pelo nosso descontrolado progresso socioeconômico e tecnológico. Há de se fazer algo pelo meio ambiente, algo pelo meio, não pelos extremos.

Mas voltando ao vulcão, é interessante como este acontecimento conseguiu atravessar fronteiras, colocando este país, a Islândia, (de fato) no mapa mundi, ou melhor, na ordem do dia pelas manchetes dos principais veículos de mass media.

O vulcão como expressão da Terra, de seu dentro-fora, que nos faz perguntar se estas categorias, dentro e fora continuam mesmo a fazer sentido na contemporaneidade.

Conforme Deleuze e Guattari, essa mesma Terra, grande máquina abstrata, que desde milhares de anos atrás tinha em si a possibilidade de desestratificação, à medida que as moléculas se organizavam, aumentando a capacidade de desterritorialização e reterritorialização, dá demonstrações de que seu processo de Vida e transformação não cessou. Tanto aqui como na Islândia, a Terra pulsa, embora lá haja hoje rochas exalando vapores vulcânicos que esculpem cavernas ou transformam águas geladas em ilhas de água morna no meio do gelo.

Este vulcão fez-me lembrar de certa feita quando eu estava a trabalhar com geólogos e engenheiros que atuam comigo na área de gestão de pessoas e precisávamos avançar em nossos entendimentos acerca de um possível conceito de subjetividade. Confesso que não é tarefa fácil trabalhar com este conceito dadas as suas inúmeras atualizações no campo das Ciências Humanas e também pelo fato da subjetividade ser costumeiramente perseguida pelos “atilados” defensores da supremacia da objetividade como se esta última fosse infalível/absoluta/neutra.

Lancei mão à época da caixa de ferramentas conceituais produzida por Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs, vol. 1, segundo tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, no platô, 10.000 a.C. A Geologia da Moral (Quem a Terra Pensa que É?), em que estes dois pensadores da multiplicidade (o monstro bicéfalo D&G), nos apresentam uma espécie de ontologia como geologia das multiplicidades constituídas por movimentos de estratificação e desestratificação sobre diversos planos de consistência. E esta estratégia funcionou, mesmo que avariada a aproximar naquele momento seres de espécies tão distintas: psicólogo, geólogo, engenheiro, etc... num entendimento acerca da subjetividade, ou melhor, na produção de um conceito de subjetividade.

Pois bem, de minha parte prefiro o termo processos de subjetivação, conforme a Esquizoanálise, por considerar a subjetividade como um recorte transitório de uma multiplicidade engendrada em meio a movimentos contínuos e inacabados, em ritmos ora cadenciados, ora interrompidos bruscamente. A idéia de subjetividade interna, intocada, individual também não me convence e me parece pouco consistente frente aos desafios de hoje em dia. Haja vista as erupções, digo, a expressividade nossa de cada dia a lançar lava para todos os lados, resultado do choque de estratos, rochas desestratificadas, ou moldadas pelo vento, pela água.

Ainda seguindo estes referenciais, a nossa subjetividade é fruto de agenciamentos coletivos, encontros vida afora em que substâncias, matérias, acontecimentos, sons, palavras de ordem, afectos, etc... nos atravessam e são por nós atravessados e assim, tal como no cinema, tela a tela, percebemos o emoldurar de um fragmento de subjetividade aqui outro acolá. Um fragmento de subjetividade para chamar de seu. Ahn? Mas que ledo engano, a “nossa própria” subjetividade já não nos pertence, pertence ao mundo, Deus Sive Natura, como diria Spinoza.

Os estratos segundo a Geologia são atravessados por fissuras, desníveis, movimentos, pulsações e deslocamentos e por sobreposição de estratos (estratificação/desestratificação), temos a constituição de camadas, de crostas, indo do mais fundo ao mais plano e vice-versa. Tal como a nossa subjetividade em seu processo de evolução/involução, em que cada camada é acessível ou não à sua maneira.

Às vezes para acessar algumas camadas de subjetividades nós precisamos de instrumentos de arqueologia, tão delicados como um pincel, uma pá um raspador. Sim, tal como nos ensina Gregorio Baremblitt, o que conseguimos coletar não passa de raspas de subjetividade, e isso já é algo assaz valioso, tal como uma descoberta arqueológica. Noutras vezes, é necessário algo mais truculento, e a utilização de instrumentos mais incisivos tal como uma broca, um perfurador... chegando até o uso de dinamite.

Alguns estratos que compõem aspectos decisivos em meio aos nossos processos de subjetivação encontram-se fossilizados, outros tantos, tal como partículas de poeira sedimentar flutuam. Técnicas e metodologias as mais variadas nos são necessárias, máquinas entre máquinas na produção de subjetividades. Num mesmo plano de imanência, quantas camadas, quantos platôs!

sábado, 17 de abril de 2010

velocidade na escrita sempre movente

Flows, we're nothing but flows. Flows, Flowers, flyes. devir_orquídea_vespa, numa mais valia de código.

Ganhos de velocidade na escrita sempre movente.

São hoje os dedos que não acompanham a velocidade de um pensamento, ou o contrário?


Avançar. Fast-Forward! Fast-Forward! Fast-Forward! Um corpo pode o que pode um corpo. Ou, um corpo já nem bem pode o que pode um corpo. O que pode um corpo? (aquela pergunta cujo retorno faz persistir...repete, insiste, repete) relações de velocidades e lentidões, cujos fluxos configuram, no instante mesmo em que se desmantelam, partículas rítmicas de existência, sempre transitórias, quase sempre arbitrárias.

A velocidade da luz, ambição de outrora, hoje luz da velocidade, mas só há encontro quando uma distância, mesmo que mínima, é instaurada em uma duração. (Distância=Velocidade X Tempo).


A velocidade da luz faz sombra?


Toda uma arquitetura das transparências arredias, hoje aglomerações de sujeitados em espaços de passagem, de deslocamento, que não foram projetados para atrasos de vôo(s). De um projeto ao projétil, uma bala perdida, e o passo que tinha de ser dado, uma vez que se hesita... passo nenhum há. Não há passo dado, não há dado. Não há a priori, mas um tempo presente, ou melhor, há o que há em tempo presente. Um presente dissecado, limado, raspado e isento de futuro, e também de passado, tal como os estóicos o concebem. Transmissões em tempo real? Trans_Missões, nos espaços entre_trans, e entre espaços, lisos e estriados. Apenas expressões de incorporais no plano imanente chamado Intenet.

Capturaram o soco de uma polegada do Bruce Lee, e medindo-o em um laboratório chegaram à conclusão que este golpe alcança a velocidade de 12m/s, o suficiente para atravessar uma quadra de basquete em 1 segundo. Não era um soco tão forte, se comparado ao dos pugilistas peso-pesado, mas o suficiente para machucar, distrair e desequilibrar um oponente de peso, tal qual Chuck Norris.


terça-feira, 13 de abril de 2010

O livro persiste, apesar das previsões.

Raspas de minha escrita juvenil, digo, fragmentos da monografia "Distância e Proximidade na Educação a Distância", trabalho de conclusão que apresentei como requisito para a graduação em Psicologia, de 2005 - PUCMG. No pequenino trecho abaixo destaco a opinião de Leibniz e seu espanto frente ao surgimento de uma nova tecnologia, a prensa medieval e a multiplicação dos livros e autores.

Durante a Idade Média, até o Séc. XV os textos manuscritos raramente deixavam os mosteiros, onde boa parte do conhecimento era dessa maneira registrada e protegida. A partir da invenção da impressão por Gutenberg (1397 ?-1468), os antigos manuscritos foram impressos em um tamanho reduzido de forma a tornar mais fácil seu manuseio. É bastante conhecida a frase citada por Serres(1999)[1] atribuída a Leibniz(1646 - 1716), que na época do auge da utilização da prensa medieval reage ferozmente contra a multiplicação de autores e livros:

“Receio até mesmo que, depois de esgotarem inutilmente a curiosidade sem obterem de nossas investigações qualquer considerável proveito para nossa felicidade, os homens venham a desgostar-se das ciências e, mergulhados em desespero fatal, caiam novamente no barbarismo. Para tal resultado, essa horrível massa de livros que continua a crescer poderá, e muito, contribuir". (LEIBNIZ, 1997, p. 341)[2].


Serres(1999) ressalta que com esta frase Leibniz(1646 - 1716) temia a volta da barbárie e a extinção do ensino. Cabe frisar que antes da impressão era necessário freqüentar auditórios nos quais os manuscritos eram lidos em voz alta, e dessa maneira o conhecimento era disseminado.

É interessante notar como as civilizações perseguem os avanços, tanto no sentido de buscá-los, quanto na tentativa de extingüí-los. Um exemplo desse movimento é a fogueira, oriunda de uma descoberta nobre do homem primitivo (o controle do fogo como instrumento a serviço do homem) que nos aquece e ilumina, e ao mesmo tempo serviu para fins espúrios na época da Inquisição do Séc. XIII quando nela se queimavam livros e até pessoas consideradas à frente de seu tempo.



[1] SERRES, Michel. Roda Viva: Personalidades de destaque sabatinadas pelos mais experientes jornalistas. São Paulo, Fundação Padre Anchieta, 1999. 1 videocassete (VHS/NTSC) (8: son., color).
[2] LEIBNIZ, G. W. Selections From. In: MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg - a formação do homem tipográfico. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2ª ed., 1997, p.341

terça-feira, 6 de abril de 2010

O livro e o tempo


Ainda nos é possível, nos dias de hoje, escrevermos um grande livro, lentamente, endereçando-o a um leitor, digamos, intemporal?

Nossa escrita tem sido cada vez mais desafiada por regimes de tempo sempre vindouros, assaz velozes e vertiginosos. O tempo em seus mais variados regimes, recurso imaterial que o é, não nos pertence à priori e é de suma importância, pois determina a qualidade de nossos encontros. O tempo é par excellence a unidade de medida dos encontros, associado ao espaço, tempo e espaço, e a escrita associada à leitura tem chances de potencializá-los. Quem tem tempo hoje para digerir bovinamente, tal como Nietzsche nos sugeria, um texto aqui, outro acolá? Eis uma possibilidade de encontro com Nietzsche. E à época de Nietzsche, será que seus leitores desfrutavam deste tempo para um “devir-vaca” de seus leitores? Talvez hoje não tenhamos de fato este tempo disponível, mas salvo engano, esta mesma justificativa, a de não termos tempo, já foi utilizada ostensivamente em outras épocas e se perpetuará. Os problemas de hoje a antecipar os destinos do amanhã, enlameados com as marcas do passado, tempos irremediavelmente imbricados pelas vertigens de seus paradoxos com suas tramas de inversões e virtualidades. Tal como Deleuze, cada época tem seus problemas, suas máquinas, logo, o falso saudosismo não nos é de grande valia, pois nos faz perder o foco daquilo que realmente define a nossa sorte, os verdadeiros problemas, chez Bergson. Talvez o que torne um livro algo intemporal e o seu leitor idem, não seja somente a sua escrita, mas sim esta associada à(s) leitura(s), ou os agenciamentos coletivos que este exercício suscita e dispara, com suas virtualidades. A escrita carece de leitura(s). Leitura esta que não se dá de modo imune aos efeitos dos afectos presentes aquém e além das letras. Somos leitores sensíveis, mesmo quando estamos diante das asperezas de um livro estritamente técnico. Sustento também a idéia de que os livros, em quaisquer formatos, escritos hoje ou por vir, serão sempre datados, logo, não acredito que haja qualquer livro atemporal. No limite, penso que mesmo aqueles livros que nos permitem avistar as raspas de um futuro ainda estarão encerrados nas fronteiras do possível no presente. O hipertexto e os inúmeros formatos de livro a serem disponibilizados num Kindle, num IPad, num Smartphone ou parafernálias parecidas, não definem antecipadamente perda de conteúdo, podem sim nos dar a chance de experimentarmos novas formas. Forma e conteúdo! Há debates aqui e acolá sobre a forma-livro que se reduzem ao profético fim do livro e há também olhares atentos dos críticos profissionais e amadores quanto ao conteúdo das escrituras no mundo. Lembro-me de ter lido uma entrevista de Umberto Eco em que ele dizia que se deixasse cair um Kindle do 7º andar de um prédio, seus 500 livros ali arquivados seriam irremediável e imediatamente destruídos. Agora, caso ele deixasse cair um livro no seu formato tradicional, haveria a chance de recuperação de praticamente todo o seu conteúdo. O que me assusta, sem me deixar lançar ao maniqueísmo de dizer que é bom ou ruim, provém do fato de que me parece que estamos hoje mais suscetíveis aos efeitos da lógica dos blogs, digo, dos microblogs, o menor espaço de escrita no mais breve gesto de escritura. Não se trata de uma escrita fragmentária, mas sim de uma escrita que pode perder potência frente à pressa. Tudo sempre a um só fôlego, a uma só braçada, degustação imediata de saberes-sabores perecíveis, que deverão ser digeridos também a uma só garfada. E isso pode exacerbar em nós a pressa, famosa inimiga das velocidades. Esta lógica tem influenciado também as nossas conversações fora da escrita, fora também da Internet.