segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Rizoma, no princípio era o verbo


Noite dessas, numa aula em que trabalhamos a noção de Rizoma de Deleuze e Guattari...
fragmentos de uma degravação...
velocidades da fala, do gesto, aqui em letras,
palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.
outubro de 2009 - PUCMINAS
"Um rizoma começa pelo meio, se nasce, nasce de uma ruptura, de um fluxo que cortado dá vazão a outros fluxos que jorram aqui e acolá. Não parte em busca de uma origem, não persegue um falso problema, pois este não permitiria o engendramento de um rizoma, de suas linhas em atividade contínua. Aliás, Henri Bergson, filósofo francês, aquele mesmo que segundo Deleuze afirmou a intuição enquanto o método por excelência da filosofia, nos ensinou a importância de distinguirmos os falsos dos verdadeiros problemas. O que é um falso problema? É o tipo de problema que nos paralisa, não permite movimentos, embora haja gastos de energia vital e a noção errônea de que estamos avançando. O verdadeiro problema é aquele que nos atravessa, nos impulsiona, nos põe em movimento. Já discutimos o quanto um corpo é importante no processo de pensar, pois acreditamos que pensar se dá através do corpo em meio a outros corpos, não dentro ou fora do corpo, mas através do(s) corpo(s). Pensar e suas visceralidades... também não acontece apenas dentro da cabeça ou exclusivamente dentro de um cérebro. Precisamos nos lembrar aqui daquele que costuma ser celebrado como um dos pais da subjetividade moderna, Descartes, e o artifício da glândula pineal. Na época de Descartes era necessário apontar onde o pensamento reside, onde se aloja, onde acontece... havia muita pressão da comunidade científica, não menos do que nos dias de hoje. Pensar se dá mundo afora através do que pode um corpo. Também discutimos que pensar não é a mais fácil das atividades humanas, tampouco a mais freqüente, embora tão comum. Sim, pensar é algo comum, tal como deveria ser todo exercício cotidiano, porém muitos de nós pensam que pensam - o que não deixa de ser um pensar - embora mais afim com as possibilidades diminutas de se entreter com um falso problema. Para pensarmos nos é necessário um problema, tanto melhor quando se tratar de um verdadeiro problema. Pensar não é algo que se dá distante das forças em jogo, em tensão, em uma Vida. Vamos pensar a distinção entre o beijo e o ato de beijar inspirados nos estóicos. No beijar não há beijo, há saliva, carne, lábios, dentes, libido, desejo, mas beijo... não há. Beijo é uma noção estática, sedentária, cristalizada... mera representação, captura do movimento de beijar. O mesmo pode ser dito acerca do pensar: no pensar, então, não haveria pensamento. Ao menos não o pensamento tal como um bloco estático, propriedade privada, um já dado à espreita nas esquinas. Como se fosse mesmo possível dizer: o pensamento de Kant, o pensamento de Hegel... “Aqui está o pensamento de Kant, coloque-o no bolso!”; “Aqui está o pensamento de Hegel, segure-o bem firme nas mãos!”. Não deveria, pois, haver pensamento enquanto categoria estática, sedentária, mero produto... pensar tem mais relações com um processo, às vezes errático. Com o rizoma é a mesma coisa, só há rizoma quando se trata de conexões em movimento. O rizoma não é uma estrutura, tampouco uma função... o rizoma é um funcionamento, ou melhor, um funcionar, que pode se dar de maneira avariada, incompleta, randômica, nômade. Das conexões, podemos dizer que este princípio não se dá isolado do princípio da heterogeneidade, junção entre inusitados, entre diferentes, entre absurdos, entre singularidades que compõem em seus agenciamentos todo um rol de multiplicidades entre lógicas que de tão distintas fazem às vezes de ilógicas, a-significantes. Pois quando estamos diante de algo cujo padrão não fomos capazes de mapear, prontamente dizemos que tratar-se-ia de algo ilógico, não damos o braço a torcer, defendemos a todo custo nossas vaidades de expert. Não somos humildes o suficiente para reconhecermos a nossa incapacidade de mapear todas as lógicas. Daí a necessidade de um cartografar, que ao contrário de um mapa que representa um todo estático, nos exige um lançar-nos em meio a linhas de toda sorte. A cartografia, tal como nos sugere Rolnik, é um exercício dinâmico, orgânico, em que traçamos as linhas de uma paisagem no instante mesmo que elas se diferenciam. O heterogêneo nos cerca, nos desassossega... neste instante o que é heterogêneo para você?"

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