domingo, 20 de novembro de 2011
(...) noite dessas, numa sala de aula.
domingo, 13 de novembro de 2011
Duas moscas, a bola e nenhuma metáfora.
Enquanto duas moscas voavam, desenhando no ar acrobáticas manobras elípticas, a sopa esfriava no balcão. Dois garçons seriam mais do que suficientes para atender às oito mesas do bar, cada qual com quatro cadeiras ao redor, mesmo se estivessem todas ocupadas, mas naquela chuvosa noite, havia apenas um cliente, que esperava aparentemente distraído e com monástica paciência pelo seu prato fundo de sopa quente. Os garçons pareciam conversar sem demonstrar muito interesse no próprio diálogo. A sopa chegou fria à mesa, quase entornando pelas beiradas. O cliente ainda estava lá, a fome não. Ele estava lá quase todas as noites, ou melhor, era possível vê-lo por lá, ocupando, se não a mesma mesa de sempre, outra bem próxima. E ele agarrou a colher com a sua mão trêmula de dedos tortos e finos e começou a sugar a água rala e sem sal, misturada a macarrão com legumes quase completamente desprovidos de cor. A colher era levada à boca, encontrando-se com lábios entreabertos e dentes manchados e imperfeitos. Fazia um barulho pouco agradável aos ouvidos, sempre que a colher alcançava a boca, sendo esbarrada nos dentes. Sugava com extrema dificuldade, emitindo sons do tipo “shlrruup”, e mantendo um olhar distante, de pouca vitalidade.
Naquela mesma noite, a bola rolou pela calçada, atravessou o meio-fio e ganhou a rua de calçamento. Atrás da bola, toda serelepe, uma criança. Uma criança corre. O carro vem. Há carros pelas ruas, inclusive nas de calçamento. E é de se esperar que atrás de uma bola que rola pela rua há de vir uma criança. A criança vem, o carro não para. E foi numa fração de segundos que a criança passou e o carro também, sem se colidirem. Golpe da sorte, desta vez passa, e passou.
Duas cenas tão próximas e, no entanto distantes. Faltou falar que o restaurante fica em uma esquina, a rua é de calçamento, e por lá uma criança brinca com sua bola. E é desnecessário dizer que há esquinas por todos os lados, sendo cruzadas por vidas que vagam pelo cotidiano compondo suas historietas. Fazemos histórias sem escrevê-las, já nos alertava Karl Marx.
Dois fragmentos. Textos desencontrados a descreverem cenas de encontros que não acontecem. Ou melhor, encontros há, mas não acontecem. Um encontro está para acontecer, mas não acontece, hesita. Mas o(s) encontro(s) persiste(m), à espreita, tal como acidentes, esperando para acontecer. Acidentes podem ser provocados e no mais das vezes o são, (mesmo que inconscientemente), máquinas a produzir incessantemente seus acoplamentos, conexões, agenciamentos e também rupturas, quebras, cortes. Máquinas a funcionar mesmo que avariadas. Parafernálias de um inconsciente maquínico, como nos sugeriram Deleuze e Guattari. Inconsciente mais afeito a uma usina de produção do que a um teatro de representações.
Duas moscas, dois garçons, um cliente, um prato fundo de sopa quente, a colher levada à boca, os lábios entreabertos, “shlrruup”, a bola rolando pela calçada, atravessando a rua, uma criança, um carro, a colisão que não acontece e nenhuma metáfora.
Imagem: Trabalho de Regina Silveira exposto na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre/RS (abril/2011)
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
intermezzo
domingo, 4 de setembro de 2011
Encontre-me num congresso por vir...
... provocar é mais interessante do que simplesmente evocar.
Leituras:
Numa leitura é importante reconhecer as velocidades e suas alternâncias, que podem ser lentas, rápidas e até catatônicas. Muitas vezes se confunde a pressa com as velocidades, e insisto que a pressa é a inimiga das velocidades. Os escritos de Deleuze & Guattari produzem efeitos diversos, que podem ser de esquizoanálise ou não. Leituras apressadas são piores do que sobrevoos rasantes. Conceitos são datados, são algo vivo, são produzidos (inventados), funcionam e morrem. Há casos em que conceitos são simplesmente evocados, mas esvaziados de sentido(s), o que é triste num sentido spinozista, e vale o alerta para a esquizoanálise e também para outras propostas - (gritar "viva o múltiplo", ainda não é fazê-lo, é preciso fazer o múltiplo.).
Dualismos:
Ah! Os dualismos e os riscos de cairmos em dicotomias: há uma esquina digital, outra analógica, dentre outras várias, mas o que interessa entre as esquinas são seus cruzamentos, rupturas. Pouco importa qual a esquina, mas sim o que por ela passa, ou não passa. De repente compor um plano de consistência entre dois e mais mundos e suas esquinas. ... quando o que une um par são suas diferenças, então já não são dois, tampouco apenas três, de repente uma multiplicidade. Uma multiplicidade qualitativa vai além dos números e estoura o par e os dualismos, mudando-os de natureza. Será? A vespa e a orquídea foram convidadas para o congresso?
Gadgets:
Honestamente, não sei o que é um gadget, esta palavra me faz gaguejar, talvez para daí ser capaz de produzir um conceito gadget, cuja duração não vai muito longe. Hoje estamos na onda dos aplicativos, a palavra gadget é escorregadia, difícil de ser aplicada, o que dirá, explicada. Gadgets, há de toda sorte, e podemos defini-los como algo que já surge sem utilidade, banalizado, mas é aí que de repente reside a força de um gadget. Você acha que ele está morto e ele não está mais lá. Ainda não sabemos o que pode um gadget.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Primeiro vieram os rinocer(antes) e depois um punhado de zebras.
Primeiro vieram os rinocer(antes) e depois um punhado de zebras. Este é um texto cifrado, você não vai entender muita coisa. O que importa mesmo são as imagens, e cada vez menos, o que você é capaz de fazer com elas. Num mundo de listas, há animais que têm listras, sendo – por mais incrível que isso possa lhe parecer – muito discretos.
Há também uma espécie de rinocerontes que são unicórnios e nada têm a ver com aqueles cavalinhos mitológicos. Não são animais mágicos, não voam, são pesados (mas não no sentido das arrobas de um boi). O peso dos rinocerontes vem de sua consistência animal.
O desafio é criar conceitos que têm o peso de um rinoceronte e ao mesmo tempo a harmonia e a singularidade das listras de uma zebra.
terça-feira, 21 de junho de 2011
A introspecção, essa tagarela.
terça-feira, 19 de abril de 2011
Um ônibus para a tristeza.
domingo, 17 de abril de 2011
domingo, 3 de abril de 2011
Try walking in my shoes.
sábado, 12 de março de 2011
quinta-feira, 10 de março de 2011
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Nunca vi um albatroz de perto, nem mesmo de longe.
Nunca vi um albatroz de perto, nem mesmo de longe. No máximo vi imagens de albatrozes em algum documentário televisivo, pela internet afora ou em revistas. Logo, eu não seria capaz de escrever sobre albatrozes, não sou um expert no assunto. Posso no máximo escrever com(o) um albatroz quando voa, traçando uma espécie de “line of flight”, conforme Deleuze e Guattari, deixando-me guiar pelo animal de vôo alto e extrema dificuldade em aterrissar. Uma escrita alba-atroz, que decola com dificuldade, deslocando-se no ar com velocidades lentas e rápidas, às vezes mais rápidas do que o vento no qual desliza e se desloca, até a aterrissagem sem jeito, ou um outro nome para a queda.
Encanta-me em especial o Albatroz-errante. Ave dentre as que apresentam maior envergadura e grande poder de vôo. Possuem uma habilidade particular ao voar, a de conseguirem deslizar muito perto da água, sem tocar as ondas, numa espécie de surf voador sem prancha, mas com as sensações que as ondas transmitem ao corpo vibrátil da ave. Ave que voa tal como um planador, embora não seja apenas empurrada pelas correntes de ar, e assim atravessam grandes distâncias. Os albatrozes chegam a atingir velocidades bem mais rápidas do que o vento e possuem bastante autonomia de vôo.
Planar no caso dos albatrozes é encontrar uma saída para voar, pois se eles tentam bater as asas, acabam encontrando muita resistência do ar devido à grande envergadura e com isso perdem forças e facilmente se cansam, aumentando os riscos de uma queda fatal.
A decolagem de um albatroz constitui um espetáculo curioso, pois tal como um avião, eles precisam de uma ampla área de fuga, que funciona como uma pista de decolagem, de preferência localizada em um terreno inclinado e com maior incidência de ventos, para aumentar as velocidades. Eles ficam posicionados no topo de um declínio e de lá começam a correr, esticando bem as asas, lançando as patas, uma após a outra, em um ritmo que você pode dizer de antemão que se caracterizaria pela mais completa falta de ritmo. Como pode isso? Esse movimento charmoso, combinado com algumas batidas das asas, geralmente faz com que eles voem. Geralmente, pois alguns albatrozes chegam a planar a poucos centímetros do chão e a cair algumas vezes antes de estabelecerem um pleno vôo.
Para pousarem na água os albatrozes usam principalmente suas patas, que possuem membranas "entre os dedos", funcionando como pás a escavar a água. Eles tocam com suas patas na água amenizando os atritos de uma reterritorialização. Quando a aterrissagem se dá em terra, eles usam suas caudas e patas como freios, tal como os instrumentos de pouso de um avião. Cada volta a um território exige um funcionamento do corpo e de sua maquinaria em reterritorialização. Não são raras as vezes nas quais os albatrozes se aproximam do local de pouso rápido demais, apressadamente, um erro de cálculo que faz com que eles se tombem de modo assaz desajeitado, batendo com o peito, o bico e as demais partes do corpo no chão, levantando poeira, um tremendo desastre! Daí a pensarmos que o albatroz não sabe aterrissar num mundo de atrocidades, mas ele atinge o chão mesmo assim.