terça-feira, 13 de abril de 2010

O livro persiste, apesar das previsões.

Raspas de minha escrita juvenil, digo, fragmentos da monografia "Distância e Proximidade na Educação a Distância", trabalho de conclusão que apresentei como requisito para a graduação em Psicologia, de 2005 - PUCMG. No pequenino trecho abaixo destaco a opinião de Leibniz e seu espanto frente ao surgimento de uma nova tecnologia, a prensa medieval e a multiplicação dos livros e autores.

Durante a Idade Média, até o Séc. XV os textos manuscritos raramente deixavam os mosteiros, onde boa parte do conhecimento era dessa maneira registrada e protegida. A partir da invenção da impressão por Gutenberg (1397 ?-1468), os antigos manuscritos foram impressos em um tamanho reduzido de forma a tornar mais fácil seu manuseio. É bastante conhecida a frase citada por Serres(1999)[1] atribuída a Leibniz(1646 - 1716), que na época do auge da utilização da prensa medieval reage ferozmente contra a multiplicação de autores e livros:

“Receio até mesmo que, depois de esgotarem inutilmente a curiosidade sem obterem de nossas investigações qualquer considerável proveito para nossa felicidade, os homens venham a desgostar-se das ciências e, mergulhados em desespero fatal, caiam novamente no barbarismo. Para tal resultado, essa horrível massa de livros que continua a crescer poderá, e muito, contribuir". (LEIBNIZ, 1997, p. 341)[2].


Serres(1999) ressalta que com esta frase Leibniz(1646 - 1716) temia a volta da barbárie e a extinção do ensino. Cabe frisar que antes da impressão era necessário freqüentar auditórios nos quais os manuscritos eram lidos em voz alta, e dessa maneira o conhecimento era disseminado.

É interessante notar como as civilizações perseguem os avanços, tanto no sentido de buscá-los, quanto na tentativa de extingüí-los. Um exemplo desse movimento é a fogueira, oriunda de uma descoberta nobre do homem primitivo (o controle do fogo como instrumento a serviço do homem) que nos aquece e ilumina, e ao mesmo tempo serviu para fins espúrios na época da Inquisição do Séc. XIII quando nela se queimavam livros e até pessoas consideradas à frente de seu tempo.



[1] SERRES, Michel. Roda Viva: Personalidades de destaque sabatinadas pelos mais experientes jornalistas. São Paulo, Fundação Padre Anchieta, 1999. 1 videocassete (VHS/NTSC) (8: son., color).
[2] LEIBNIZ, G. W. Selections From. In: MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg - a formação do homem tipográfico. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2ª ed., 1997, p.341

terça-feira, 6 de abril de 2010

O livro e o tempo


Ainda nos é possível, nos dias de hoje, escrevermos um grande livro, lentamente, endereçando-o a um leitor, digamos, intemporal?

Nossa escrita tem sido cada vez mais desafiada por regimes de tempo sempre vindouros, assaz velozes e vertiginosos. O tempo em seus mais variados regimes, recurso imaterial que o é, não nos pertence à priori e é de suma importância, pois determina a qualidade de nossos encontros. O tempo é par excellence a unidade de medida dos encontros, associado ao espaço, tempo e espaço, e a escrita associada à leitura tem chances de potencializá-los. Quem tem tempo hoje para digerir bovinamente, tal como Nietzsche nos sugeria, um texto aqui, outro acolá? Eis uma possibilidade de encontro com Nietzsche. E à época de Nietzsche, será que seus leitores desfrutavam deste tempo para um “devir-vaca” de seus leitores? Talvez hoje não tenhamos de fato este tempo disponível, mas salvo engano, esta mesma justificativa, a de não termos tempo, já foi utilizada ostensivamente em outras épocas e se perpetuará. Os problemas de hoje a antecipar os destinos do amanhã, enlameados com as marcas do passado, tempos irremediavelmente imbricados pelas vertigens de seus paradoxos com suas tramas de inversões e virtualidades. Tal como Deleuze, cada época tem seus problemas, suas máquinas, logo, o falso saudosismo não nos é de grande valia, pois nos faz perder o foco daquilo que realmente define a nossa sorte, os verdadeiros problemas, chez Bergson. Talvez o que torne um livro algo intemporal e o seu leitor idem, não seja somente a sua escrita, mas sim esta associada à(s) leitura(s), ou os agenciamentos coletivos que este exercício suscita e dispara, com suas virtualidades. A escrita carece de leitura(s). Leitura esta que não se dá de modo imune aos efeitos dos afectos presentes aquém e além das letras. Somos leitores sensíveis, mesmo quando estamos diante das asperezas de um livro estritamente técnico. Sustento também a idéia de que os livros, em quaisquer formatos, escritos hoje ou por vir, serão sempre datados, logo, não acredito que haja qualquer livro atemporal. No limite, penso que mesmo aqueles livros que nos permitem avistar as raspas de um futuro ainda estarão encerrados nas fronteiras do possível no presente. O hipertexto e os inúmeros formatos de livro a serem disponibilizados num Kindle, num IPad, num Smartphone ou parafernálias parecidas, não definem antecipadamente perda de conteúdo, podem sim nos dar a chance de experimentarmos novas formas. Forma e conteúdo! Há debates aqui e acolá sobre a forma-livro que se reduzem ao profético fim do livro e há também olhares atentos dos críticos profissionais e amadores quanto ao conteúdo das escrituras no mundo. Lembro-me de ter lido uma entrevista de Umberto Eco em que ele dizia que se deixasse cair um Kindle do 7º andar de um prédio, seus 500 livros ali arquivados seriam irremediável e imediatamente destruídos. Agora, caso ele deixasse cair um livro no seu formato tradicional, haveria a chance de recuperação de praticamente todo o seu conteúdo. O que me assusta, sem me deixar lançar ao maniqueísmo de dizer que é bom ou ruim, provém do fato de que me parece que estamos hoje mais suscetíveis aos efeitos da lógica dos blogs, digo, dos microblogs, o menor espaço de escrita no mais breve gesto de escritura. Não se trata de uma escrita fragmentária, mas sim de uma escrita que pode perder potência frente à pressa. Tudo sempre a um só fôlego, a uma só braçada, degustação imediata de saberes-sabores perecíveis, que deverão ser digeridos também a uma só garfada. E isso pode exacerbar em nós a pressa, famosa inimiga das velocidades. Esta lógica tem influenciado também as nossas conversações fora da escrita, fora também da Internet.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Velocidades e lentidões sob o efeito da pressa

Todo indivíduo encontra-se em permanente modificação, pois os corpos que o constituem estão sempre em relações com outros corpos em diferentes modulações de movimento e repouso, segundo Spinoza, ou de velocidades e lentidões, como prefere dizer Deleuze. É pela velocidade e lentidão que os corpos deslizam entre si mundo afora, afetando e sendo afetados, se individuando no desenrolar de modos de existência. Isso nos permite pensar, seguindo Simondon, que talvez antes de assumirmos uma modulação de indivíduo, nós sejamos um bloco pré-individual, entre outros, constituído por uma composição de velocidades e de lentidões num plano de imanência. Daí a importância de uma investigação também permanente acerca das velocidades e seus efeitos em nós nos dias de hoje. Este tema, o das velocidades, é objeto de pesquisa de Virilio por muitos anos, através da dromologia, ou o estudo dos efeitos da aceleração da velocidade na sociedade. O receio de Virilio seria o de que a aceleração da velocidade na sociedade nos levasse a experimentar a vertigem da instantaneidade nas relações, o que já nos é possível na contemporaneidade. Penso que a pressa pode ser vista como um dentre os possíveis vetores de aceleração intervindo na relação espaço-temporal de deslizamento de nossas velocidades e lentidões. Velocidades são de uma multiplicidade difícil de se cartografar, podendo haver velocidades lentas e rápidas, mas em quaisquer circunstâncias a pressa continua sendo, no meu entendimento, a inimiga das velocidades, lentas e rápidas.

terça-feira, 23 de março de 2010

A pressa e as paixões tristes

A proliferação mundo afora, casa adentro, do que Spinoza chamou de Paixões Tristes, ou seja, as afecções alinhadas com o grau mais baixo de nossa potência me espantam profundamente. São tantos os exemplos presentes na vida cotidiana que eu chego a suspeitar que nós tenhamos uma queda, uma espécie de predileção, por este tipo de filiação reativa.

Quando digo mundo afora, casa adentro, intento derrubar a um só golpe as noções de dentro e fora, tal como tradicionalmente nos são apresentadas. Prefiro a noção de imanência em que muros, paredes, pele, são de extrema porosidade, nos expondo a todo o momento a conexões de toda sorte, aguçando a nossa potência de afectar e ser afectado.

Vivemos num mundo assolado pelo excesso de opiniões pré-fabricadas que se assemelham a um Big Mac, cujo saber é próximo de zero e o sabor é nauseante.

Há uma espécie de automatismo opinativo, o pensamento modulado no regime fast food, ou seja, na pressa, a primeira opinião que vem é a que fica. E o pior, fazem coro a este refrão adultos, jovens, crianças, idosos...

Não me apresso, mesmo porque sou avesso à pressa, a lançar comentários de um falso saudosismo defendendo a tese de que nossos tempos são piores do que os dos nossos antepassados. Ao invés disso, prefiro a idéia de Deleuze de que cada tempo tem suas máquinas, logo, seus problemas (na ambigüidade do termo problema, que não necessariamente remete somente ao pólo negativo).

Não adianta culparmos os aparelhos de Mass Media, especialmente em tempos como os nossos em que as mídias sociais potencializadas pelos apetrechos internéticos e de telecomunicação em rede roubam a cena. Insisto: Não adianta buscarmos culpados, isso nunca funcionou muito bem ao longo da história da humanidade, pois encontrá-los e puni-los não conserta os efeitos danosos de suas intervenções. Encontrar e punir culpados não resolve o problema, funciona tal como um remédio, uma droga, no sentido de cortar ou mascarar os sintomas e não promover um aumento na saúde.

terça-feira, 16 de março de 2010

E de repente nos tornamos tarefeiros, multi-tarefeiros.

E de repente nos tornamos tarefeiros, multi-tarefeiros. E a vida cotidiana com suas múltiplas linhas se transforma em um grande e pesado bloco de tarefas. Tarefas aqui e acolá, confundidas entre ordenações por critérios de prioridade, urgência, emergência, postergação, adiamento, ou a total falta de critérios. São tantas as tarefas que não dormir virou até sinônimo de dormir. No meio disso tudo, das ameaças de uma espécie de insônia com requintes de sonambulismo, como criar bolsões de tempo para a invenção, conforme Deleuze, como criação de possíveis? Esta é uma dentre as perguntas primordiais.

Lembro-me de Kafka e de sua preocupação em buscar saídas. A Kafka importava menos a liberdade do que a invenção de saídas. Saídas, mesmo que minoritárias, frestas, brechas, rupturas, o contrário de uma suposta prisão utópica cujas grades são sedimentadas pelo inatingível conceito ideal de liberdade absoluta. Há aqueles que acusam Kafka de ter escrito linhas e mais linhas de claustrofobia, mas a meu ver ele só as cartografou e em meio a estas inventou brechas para o advir de linhas de fuga, de resistência.

No dia a dia o habitual e o mais simples muitas vezes têm se transformado no quase impossível. Por exemplo: Como ajustar as linhas de uma agenda com as de outra agenda? Como reunir pessoas, mesmo que à distância, pois hoje contamos com mais alternativas do que antes, especialmente no tocante às ferramentas tecnológicas de comunicação. Ainda assim não é fácil. Ainda assim não parece ser suficiente.

Os encontros, matéria prima para a produção de possíveis, eis no limite o porquê e a envergadura de sua importância, são hoje de uma raridade espantosa. Todos vagam apressadamente rumo a qualquer parte. A pressa, antiga inimiga da perfeição, hoje se tornou ilusório vetor de produtividade. Aqui e em outros cantos insisto no alerta de que a pressa na realidade é a grande inimiga das velocidades, as mais rápidas e as mais lentas. E como somos, segundo Spinoza, compostos por velocidades e lentidões, a pressa funciona tal como uma espécie de veneno, disparador de conexões com as paixões tristes.

Não fossem os encontros, principalmente os que ocorrem entre espécies diferentes, a vespa e a orquídea, o que seria de nós? Nós, o pronome perigoso, dada sua ambigüidade que pode reunir diferentes em prol da produção de diferenças e ao mesmo tempo esconder as mais perversas armadilhas. Pouquíssimas vezes em toda minha vida me senti parte integrante de um pronome nós evocado ao sabor dos ventos. A simples enunciação deste pronome me causa arrepios. Às vezes, mesmo que raras, sua utilização se justifica pelos agenciamentos e implicações a este pronome aliados, noutras, no entanto, fala-se nós quando na realidade tratar-se-ia da mais completa ausência de qualquer tipo de aliança.

terça-feira, 9 de março de 2010

Livro: Os Pequenos Deuses da Trapaça

O grande amigo Manuel Carreiro acaba de lançar um novo livro de contos, desta vez disponível como E-book em formato PDF e acredito fortemente que possa ser do interesse dos camaradas que visitam este blog.

Clique aqui para obter informações de como adquirir este livro em formato PDF

Mais adiante postarei minhas impressões a respeito deste lançamento.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Co-incidências, uma Vida.

Podemos suspeitar que vivemos em um mundo regido pelo acúmulo de incidências, encontros, cruzamento de linhas, componentes de multiplicidades as mais diversas, ora a se chocarem, ora a nem sequer se tocarem.

Do que mais gosto acerca das coincidências? O efeito assombroso que elas nos causam. Tal como se houvesse qualquer coisa para chamarmos de ordem. Pode haver ordens, desordens, algo que seríamos supostamente capazes de traçar, acompanhar, monitorar, controlar... (?) e ao mesmo tempo, após a linha limítrofe de nossas competências cognitivas, um completo descontrole, a ausência mesmo que temida, de razão. Já nem mais bem sei. Pois, desde que Prigogine e Stengers resolveram nos apresentar ao emaranhado de incertezas que o “balé” entre espaço tempo desenha através de uma “nova” espécie de aliança, tremendamente inusitada, perdi o chão – nunca soube voar.

A sincronicidade, tal como nos inspira Jung tem um pouco de quase tudo a ver com as coincidências e se a este conceito atrelarmos a idéia de imanência tão cara ao nosso querido Polidor de Lentes, Spinoza, eu arriscaria dizer que o que as linhas de uma coincidência costumam traçar nada mais é do que o balizamento de um plano de imanência. Alguns balizamentos, quiçá espaços de ultrapassagem.

E por último, mais uma vez, lembro-me que o palco comum a umas tantas coincidências em uma Vida não poderia deixar de ser do tamanho de uma esquina. As esquinas, sempre elas... quantas coincidências, alguns bons encontros, esquinas afora.