sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Afirmando o devir dos dias de hoje


“De que amanhã...”, frase de Victor Hugo, que dá nome a um livro assinado por Roudinesco e Derrida, servindo-lhes de pretexto para que os dois disparassem a argumentar acerca de questões, as mais diversas, que atravessam e compõem os nossos tempos, com a urgência do hoje, a definirem o porvir. Nossos tempos? Ou estaríamos imersos no exagero da flexibilidade de tempos que já não nos pertencem mais, palco de um conflito sem fim entre Cronos e Aion, que Sennett tão brilhantemente soube problematizar em seu livro “A Corrosão do Caráter”. Tempos que já não nos pertencem ou jamais nos pertenceram, tal como a placa de bar “fiado só amanhã”. Ou tanto pior, tal como em James Bond 007, “O amanhã nunca morre”, frase que bem serviria de slogan para o cenário apresentado por Foucault em sua análise das Sociedades de Disciplina, em que não se termina nada, os processos são abandonados sempre inacabados. Sinto também, como muitos de nós, o mal-estar e a ansiedade em meio aos embates de forças entre regimes de tempo que se atualizam relacionados ao desajuste frente às expectativas em tensão, às promessas e à preguiça (inimiga mortal do bigodudo do martelo), geradores de ressentimento e de má consciência. Tempos que para chamarmos de nossos precisam ser conquistados, roubados, produzidos, comprados, consumidos, exauridos em meio aos contra-tempos (que são modos de ruptura, bolsões de tempos intensos, lufadas de ar, brechas para o pensar-sentir, para o advir de experiências, tal como nos sugerem os aliados do Movimento Institucionalista). Nossos ou não, a esses tempos, os dos dias de hoje, costumamos denominar contemporaneidade, embora eu tenha extrema dificuldade em balizar o que me é contemporâneo. Sinto-me contemporâneo de Mozart, tanto quanto de Jeff Buckley ao escutar as composições destes dois cavalheiros; sinto-me, a cada noite em sala de aula, contemporâneo dos nossos antepassados que cobriram as paredes das cavernas com as imortais pinturas rupestres, quando atualizo o mesmo gesto destes borrando a lousa branca (antigo quadro negro de cor verde) com um monte de diagramas e palavras com a pretensão de ajudar no processo de produção de conceitos; sinto-me contemporâneo de muitos de meus intercessores de séculos variados, estes mesmos que vocês costumam ver presentes em meio aos meus escritos.

E a contemporaneidade tem recebido muitos nomes: Modernidade Líquida, por Bauman; Hipermodernidade, por Lipovetsky; Supermodernidade, por Augé; Pós-Modernidade, por Lyotard e Maffesoli; e ainda temos as contribuições de Latour e seu Jamais fomos Modernos. Todas estas análises apresentam elementos coerentes e consistentes, mas que isoladamente não nos dão condições de certeza acerca do que está acontecendo e que nome dar a este recorte de acontecimentos. A angústia do homem se acentua, talvez porque em meio a este furor semiológico e taxonômico ele tenha se esquecido que o nome de uma época é dado quando adotamos a convenção de que aquela época passou e já estamos em uma “nova vibe”. O instrumento predileto da maior parte dos historiadores é o espelho retrovisor, no gesto de olhar para trás científico na busca desesperada por padrões de sossego, “Oh, naquele tempo era assim...”.

Longa Vida às incertezas e ao desassossego! E tudo o mais que nos põe a pensar-sentir. Resistir ao presente, tal como nos sugere Deleuze, buscando na potência da invenção de um mundo possível, neste mundo, por meio de modos de existência em imanência com tudo o quanto há, o bom e o ruim, no aquém e além entre estes, na cartografia das margens dos que estão às margens, na explosão de forças criativas que nos inspiram e nos ajudam sempre no sentido de extrair das fragilidades uma potência.

Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro.

3 comentários:

André Valença disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Valença disse...

Falas do tempo e do homem com ele e concluiste dizendo da fragilidade... Louco, mais que por uma identidade, por um alento, um lugar de repouso, o homem cansado, ainda referenciado no presente, afasta-se dele que é seu ser com o frágil suporte que lhe foi montado: seu relógio e uma longínqua face de sanidade. beijos

Luiz Carlos Garrocho disse...

Sua escrita está ficando cada vez mais aguda, veloz e rítmica.

O tema, recorrente, nos faz inventar saídas para essa "cultura da rememoração"...

Um grande abraço