segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Acontecimentalizar



Outra noite dessas, numa aula em que trabalhamos o que pode uma intervenção, digamos, psicossocial e afins... fragmentos de uma degravação...velocidades da fala, do gesto, aqui em letras, palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.novembro de 2009 - PUCMINAS


Acontecimentalizar não é o mesmo que contextualizar. Contextualizar nos indica a necessidade da existência apriorística de um enredo estabelecido, de um mapa já dado, de um tabuleiro, enfim, de um contexto em que tudo o que se encontra pelo caminho deverá ser encaixado.

Aquilo que foge ao contexto, que possui uma lógica que talvez não sejamos capazes de dizer que “tem lógica”, o contra-senso, o ilógico, o non-sense, o improvável, não costumam fixar aderência em um contexto cristalizado.

Já dissemos noutras oportunidades que uma intervenção irrompe quando algo acontece, não acontece, está para acontecer. Eis os três tempos, condições e/ou circunstâncias que costumam disparar uma intervenção e que podem ocorrer isolados ou combinados. Uma intervenção, que aqui chamamos psicossocial, e para isso nos balizamos em meio às contribuições do Movimento Institucionalista (i.e.: Análise Institucional, Pedagogia Institucional, Socioanálise) e da Esquizoanálise. Neste tipo de intervenção a nossa postura deverá ser a de um trabalhar com (não disse “trabalhar.com”, embora não apresente a priori restrições a um “trabalhar.com” desde que não se deixe de trabalhar com, rs.), o contrário de um trabalhar sobre ou de um trabalhar para.

Deleuze nos sugere tratar os acontecimentos tal como estes surgem, com os efeitos que estes produzem, nos guiando pelas raspas da experimentação, fugindo dos excessos de uma interpretação que no mais das vezes remetem a uma busca pela origem. Ele insiste em nos alertar para que evitemos a todo custo fazer de um acontecimento um drama de grandes proporções. Isso nos é complicado, especialmente em dias como os de hoje, em meio à exagerada espetacularização de tudo e de todos. Somos capazes de morrer à míngua à espera dos grandes acontecimentos, enquanto um sem número de acontecimentos ditos menores nos rodeiam, nos atravessam.

Acontecimentalizar, em meio a inspirações advindas do entrecruzamento de Deleuze e Foucault, nos remete à cartografia de linhas, o que se faz no instante mesmo em que estas se elastecem, rompem, cruzam, transversalizam, fogem. E também à genealogia de forças, em que aquilo que mesmo não sendo capazes de descrever cientificamente somos capazes de sentir. O menor e o maior; o que dura mais e o infinitesimal; o mais forte e o mais intenso, mesmo quando sutil.”

4 comentários:

Manuel Carreiro disse...

um texto escrito faz um tempinho, mas que dialoga com esse seu novo, de alguma forma...

http://manuelcarreiro.com/2009/03/a-impossibilidade-de-haver-um-fato-historico-concreto/

abraço!

André Valença disse...

Vivo, muito vivo ontem me senti quando saia a porta de casa... sem lembrar que refutara a idéia daquele passaro no fio querer me dizer algo, me sentia um semi-deus a espera de uma humanização... foi o que trouxe o olhar de uma menina que em mim me perguntava: e o que é a verdade? ...enquanto saía atrás de um outro pássaro na grama da praça...

rfelipe disse...

* Jason (Manuel Carreiro), nobre amigo, seu texto sugerido neste seu comentário, realmente dialoga com este meu recente post. Belo texto o seu, como de costume. Oh, Nietzsche, sempre ele, a puxar a nossa perna enquanto dormimos. Quando mais moço eu costumava sugerir anedoticamente que um fato não passava de um ato (voluntário ou não) acrescido da letra F de falso, de inventado, de aumentado, não necessariamente nos sentidos negativos de cada um destes termos. Pois há uma potência do falso a animar nossas fabulações.

* André, seu comentário me pouparia uma tonelada de palavras... você foi preciso! Bárbaro!

Abraços & afectos

Victor Gonçalves disse...

Daí a ideia deleuziana de "literatura menor", a que não se deixa codificar nos contextos interpretativos habituais.

Neste sentido, os acontecimentos também deviam ser "menores", surpreendentes e de importância relativa, como muito bem diz.

Gosto do seu conceito "acontecimentalizar", como o que vai acontecendo que me convida a participara nesse devir de vida sem dramatizar a sua importância.