domingo, 20 de novembro de 2016

(...) e, dobrando uma esquina...

(...) e, dobrando uma esquina, depois outra, percebeu que de fato é prudente se movimentar. Ficar parado, nem pensar. Justamente, não se deve parar de pensar. Certa feita, ouvindo conversas alheias na mesa ao lado, boteco lotado, o moço dizendo pra moça "ando muito sedentário", no que ela imediatamente argumentou "ora, se você anda muito, como pode estar sedentário?". Escrever funciona do mesmo modo, ou melhor, de diversos modos, um deles, através de exercício contínuo. O sedentarismo da escrita gera atrofia na certa. Fica difícil depois juntar as letras às ideias. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

.:::::desterro.



 
 
 
(...) n'um futuro não muito distante, um planeta antes chamado Terra será nomeado Desterro, lá 'viverão' drones, clones-híbridos de outros clones, mezzo-ciborgues e hologramas, ah, e as baratas. Todos interagindo socialmente por meio de interfaces digitalizadas através das quais se poderá fazer de tudo um pouco através de nada. Procrastinar será imperativo. Não haverá livrarias, tampouco livros, apenas vigilância e visibilidade. A linguagem será uma só, traduzida dos diversos idiomas de outrora em um número pré-determinado de verbetes com significados gerando sentidos sempre óbvios. A escrita se tornará motivo de vergonha, sendo substituída pelos excessos da comunicação verbal, que depois serão anulados pela telepatia, até que esta caia em desuso pela falta de assunto em meio ao infinito acúmulo de dados em loop. Os deslocamentos serão por pixels, nossa pele imagético-imaterial, e o dinheiro, bem esse continuará destinado aos poucos 'faraós' de outros tempos, e com eles já terá sido enterrado. O conceito 'smart', valorizado em outros tempos tornar-se-á obsoleto, não se falará mais em Inteligência Artificial, pois aquilo não terá sido algo tão inteligente. O esoterismo substituirá a ciência e os fundamentalismos atropelarão qualquer tipo de interação com o divino. Terão sido criados tantos deuses, todos pertencentes a crenças monoteístas, que já não se saberá bem  a quê ou a quem recorrer em meio ao desespero. The end.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

(...) escrita im_perec_ível

- Ah! Onde isso nos leva?

- Não teria sido melhor a pergunta: Aonde isso nos leva?, ou, se isso leva, O que é isso?, e, Para onde?

- E leva O quê?, ou, Quem? ... e Quem, ou, O quê parte?, e, De que parte?

- Nós?

- (talvez) Ainda não.

- Para onde?, no sentido de Em que direção?, ou, No sentido de parar? – Maldita ausência, ou saída de cena à força, dos acentos diferenciais. Fariam uma diferença enorme nesse momento.

- Parei.

- Mas, Onde estávamos mesmo? Em qual parte?

- Perguntávamos acerca de onde isso o que/quem leva, se leva, sem saber de onde se parte e para que parte.

- Teremos que partir a questão.

- Outra vez? Mas, a partir de onde?

- Vamos começar daqui, isso, de novo, e na tentativa de chegarmos acolá, vamos avançar.

- Mas, em qual sentido? Pergunto sobre o sentido, tanto enquanto uma direção a seguir, quanto da produção de algo acerca do qual se possa dizer: Ah! É isso.

- Queria mesmo era começar a ler Georges Perec e sua escrita imperecível, de uma literatura matemática, que mais oferece equações do que pretende resolvê-las.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

(...) oh, and those ubiquitous mosquitoes.


(...) oh, and those ubiquitous mosquitoes. Flying around, like high hopes, right here, over there. And I hope, someday, I’ll fly around, as far as possible, reaching ideas of enlightened achievement. I’ve said, so sad, words can open worlds, to move out there-staying here, so omnipresent. Then, in order to make it happen, spread ideas, like words, through the entire world, as ubiquitous mosquitoes. While the mind is up above the clouds, the toes are scratching the sand.

(…) oh, and those ubiquitous mosquitoes are nomads. No mad, no meds, with no address, no direction, no history, no philosophy, no respect, just buzzing around, while you try to sleep. Are they concepts? Peut-être, but, only in order to escape the notion of concept-in-order, prêt-à-porter, that is usually built to capture living ideas. Free your living ideas! Feel your living ideas! Living – oh, but you don’t know how?

(…) oh, and those ubiquitous mosquitoes, just buzzing around, while you think you’re busy. Oh boy, (poor) busy man, what are you doing in this exactly moment? It doesn’t matter for those ubiquitous mosquitoes, if you pretend, so alike, you’re so alive, like if you could, but then, so.

(…) oh, and those ubiquitous mosquitoes, does it sound funny, (so it’s almost familiar), and you hate these species, because they are just buzzing around, while you try to concentrate. No distractions, please. Thanks. You’re more than welcome, so the ubiquitous mosquitoes are (not).

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

(...) sem palavras.

Inevitavelmente, algumas palavras parecem servir apenas para surrupiar o nosso sossego. Daí que não sabemos bem o que fazer com elas, da mesma forma que não entendemos o que elas são capazes de fazer conosco. Sentimos, apenas. E sob que penas tentamos agarrar o que sentimos, e exprimir o que advém destas sensações... carecemos do quê? De mais palavras. E por mais que as inventemos, serão sempre em quantidade insuficiente (e qualidades inesgotáveis, imprecisas e fugidias).

Eu preciso de um dicionário mais preciso, o que tenho já não (me) basta. Para em seguida perceber que não é disso que eu preciso, até porque o dicionário corresponde apenas a uma parte do que as palavras podem. – Os limites dos significados e as convenções que os regem. – Mas e os sentidos?

Os sentidos envolvem (talvez) uma ética, a capacidade de fazer escolhas, e ao mesmo tempo, lidar razoavelmente bem com o que nos escapa, foge, afecta... Ah! Fale-me de seus afectos sem enunciá-los tal como se emoções o fossem.

(silêncio)

Ahn? É interessante, mas os sinônimos para mim têm pouca valia, servem mais, a meu ver, para confundir, pois que se uma palavra por si só já é várias, se uso mais de uma para dizer o mesmo, a quem estou querendo enganar?

E depois, o que é um homem de palavra? – ou – O que seria a palavra de um homem?

Os duplo-sentidos, eu diria até, triplos, quádruplos... saltos mortais, triplos carpados, toda uma ginástica olímpica da linguagem que se organiza através das palavras, e sabemos que há linguagens outras, e outras semióticas.

(...)

Este é um texto curto, mas cheio de palavras. E não é que faltem palavras, ou que falte algo nas palavras, há até um excesso nelas, assim como um excesso delas. O que não falta é produção.

(...)

Oh puxa! Paro antes da vertigem inevitável... de mais uma palavara.

domingo, 20 de novembro de 2011

(...) noite dessas, numa sala de aula.

(...) quando chegamos, havia balões. Não eram nossos. Parecia ter havido uma festa antes da nossa começar. Uma aula não precisa conservar a sisudez de certos encontros supostamente certos. Preferimos os ares da(s) incerteza(s), em particular quando há brechas para que acontecimentos inusitados venham a nos saudar. Foi assim naquela noite em que nossas conversações foram animadas por alguns conceitos cunhados por Deleuze, Guattari (entre outros camaradas). E estes conceitos só ganharam ares de festa a partir de nossos esforços (e como isso dá trabalho) em produzir os nossos próprios conceitos a partir destes. Uma festa, um potlatch, um happening, um concerto de rock, é isso também o que pode uma aula.

domingo, 13 de novembro de 2011

Duas moscas, a bola e nenhuma metáfora.


Enquanto duas moscas voavam, desenhando no ar acrobáticas manobras elípticas, a sopa esfriava no balcão. Dois garçons seriam mais do que suficientes para atender às oito mesas do bar, cada qual com quatro cadeiras ao redor, mesmo se estivessem todas ocupadas, mas naquela chuvosa noite, havia apenas um cliente, que esperava aparentemente distraído e com monástica paciência pelo seu prato fundo de sopa quente. Os garçons pareciam conversar sem demonstrar muito interesse no próprio diálogo. A sopa chegou fria à mesa, quase entornando pelas beiradas. O cliente ainda estava lá, a fome não. Ele estava lá quase todas as noites, ou melhor, era possível vê-lo por lá, ocupando, se não a mesma mesa de sempre, outra bem próxima. E ele agarrou a colher com a sua mão trêmula de dedos tortos e finos e começou a sugar a água rala e sem sal, misturada a macarrão com legumes quase completamente desprovidos de cor. A colher era levada à boca, encontrando-se com lábios entreabertos e dentes manchados e imperfeitos. Fazia um barulho pouco agradável aos ouvidos, sempre que a colher alcançava a boca, sendo esbarrada nos dentes. Sugava com extrema dificuldade, emitindo sons do tipo “shlrruup”, e mantendo um olhar distante, de pouca vitalidade.

Naquela mesma noite, a bola rolou pela calçada, atravessou o meio-fio e ganhou a rua de calçamento. Atrás da bola, toda serelepe, uma criança. Uma criança corre. O carro vem. Há carros pelas ruas, inclusive nas de calçamento. E é de se esperar que atrás de uma bola que rola pela rua há de vir uma criança. A criança vem, o carro não para. E foi numa fração de segundos que a criança passou e o carro também, sem se colidirem. Golpe da sorte, desta vez passa, e passou.

Duas cenas tão próximas e, no entanto distantes. Faltou falar que o restaurante fica em uma esquina, a rua é de calçamento, e por lá uma criança brinca com sua bola. E é desnecessário dizer que há esquinas por todos os lados, sendo cruzadas por vidas que vagam pelo cotidiano compondo suas historietas. Fazemos histórias sem escrevê-las, já nos alertava Karl Marx.

Dois fragmentos. Textos desencontrados a descreverem cenas de encontros que não acontecem. Ou melhor, encontros há, mas não acontecem. Um encontro está para acontecer, mas não acontece, hesita. Mas o(s) encontro(s) persiste(m), à espreita, tal como acidentes, esperando para acontecer. Acidentes podem ser provocados e no mais das vezes o são, (mesmo que inconscientemente), máquinas a produzir incessantemente seus acoplamentos, conexões, agenciamentos e também rupturas, quebras, cortes. Máquinas a funcionar mesmo que avariadas. Parafernálias de um inconsciente maquínico, como nos sugeriram Deleuze e Guattari. Inconsciente mais afeito a uma usina de produção do que a um teatro de representações.

Duas moscas, dois garçons, um cliente, um prato fundo de sopa quente, a colher levada à boca, os lábios entreabertos, “shlrruup”, a bola rolando pela calçada, atravessando a rua, uma criança, um carro, a colisão que não acontece e nenhuma metáfora.


Imagem: Trabalho de Regina Silveira exposto na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre/RS (abril/2011)