quinta-feira, 22 de outubro de 2009

[2ª edição]... entre as afecções do carrapato e Spinoza


Ainda não sabemos do que um corpo é capaz, de que afectos é capaz. Há um belo exemplo extraído da etologia de Uexküll por Deleuze no seu trabalho com o polidor de lentes, Spinoza. O exemplo do carrapato. E a sugestão de começarmos com um animal de uma multiplicidade de afectos relativamente menor é apropriada. Um carrapato é capaz de ficar cristalizado, inerte, em uma espécie de estado de hibernação, dado como morto, um devir_mineral, por um longo tempo... semanas, e isso para um carrapato é quase uma eternidade. E assim ele fica até que um corpo_outro cruze o seu espaço, seu território, atravesse a fronteira em uma distância menor, que permita um encontro, daí, de um salto só, o carrapato se lança ao encontro com um corpo de outra espécie (melhor se for um corpo de sangue quente). A vida de um carrapato, que antes estava no registro de um tempo vazio, passa agora a funcionar de outra maneira. Um carrapato “sabe”, ou melhor, sente, que agora que “começou” a viver, de outra maneira, ele tem poucas horas de Vida, uma Vida intensiva. Ele come, caga e procria. Ao final de uns poucos dias ele está morto. Poderíamos separar e interpretar esta cena, Hegel nos ajudaria com sua dialética. Teríamos de um lado, se assim o quiséssemos, um parasita e um hospedeiro. Mas um carrapato não conhece Hegel, dispensa a sua dialética, nem quer a ele(a) ser apresentado, da mesma forma, aqui vale a pergunta, como numa dança, vale a pena, para um corpo, com Hegel dançar? Ou seria melhor buscar outros pares? Você dança(ria) com um corpo? Sim, o Bigode (Nietzsche) e tantos outros morrem, sem cessar, mas nós sabemos que no morrer não há morte, e os estóicos também sabiam disso (antes de tb morrerem). Existe uma potência no trapo, na fragilidade, na doença (que aqui não merece ser compreendida como o contrário de saúde, mas como um modo de saúde diferente. Tampouco saúde e/ou doença, aqui são estados, mas movimentos). E uma possibilidade de efetivar conexões, o que permite a entrada de ar na arte, mesmo quando a proposta nos lança a um m-ar de águas densas, em que após o mergulho voltamos à superfície com olhos_vermelhos_provocantes.

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