terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os urgentes desafios do comum...


Os urgentes desafios do comum... de que modos criarmos o comum, espaço fértil às conexões entre heterogêneos, lugar de militâncias ditas menores, do micropolítico que sorrateiramente empurra o macropolítico. O que está em jogo nos dias de hoje é o “como viver junto”, inspirado nesta colocação de Barthes, mas levando-a a outros cantos. E assim nos embrenharmos em meio aos acontecimentos lá onde eles de fato acontecem, não acontecem, estão para acontecer... eis o campo propício a intervenções!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quando a crítica cai do palco: para ser lido tal como blocos de aforismos



... como amigo dos estóicos, tal como você, amigo Jason, não vejo muita utilidade em fazermos desta enriquecedora troca de posições um debate. Mesmo porque, não sei se os camaradas que atravessam este blog concordam, mas tenho a impressão de que a última coisa que se pode esperar de um debate é a troca de posições. No geral, em um debate, as posições entre debatedores são mantidas desde o princípio (rs.) cristalizadas, sacralizadas, absolutas, sedentárias... de tal forma que talvez não devêssemos perder o nosso tempo acompanhando debates, pois o final já está dado, desde sempre. Oh, pobre exercício do pensar, quando nestas condições limítrofes!

Prefiro os diálogos e as conversações.

Minha primeira posição aqui é uma lembrança, meio avariada, de uma frase, cujo crédito dou ao escritor irlandês Oscar Wilde e que nos diz o seguinte acerca de um tipo de crítica pouco rara: "O crítico é aquele que sabe o preço de tudo e o valor de nada.". O crítico e sua crítica servem no mais das vezes para formar opiniões. E qual o valor de uma opinião? Vai saber... mas a precificação oriunda de uma crítica, tendo em consideração as opiniões por ela formadas, pode render alguns preciosos vinténs. A crítica e seu exercício fazem parte do plano imanente em que o mercado também está integrado. E as opiniões formadas e deformadas pela crítica neste caso tendem ao homogêneo e costumam colocar a marchar um monte de indivíduos formatados tal como blocos de massa, numa dada direção ou n’outra.

O pacto semiótico, ou o baixar de guarda do pugilista que nos atravessa, quando colocamos a mão e debruçamos nossos olhos sobre um objeto de arte e o recebemos em fruição estética, afectiva, libidinal, etc, tem a ver com a crítica que assimilada naquele instante nos abriu as portas da percepção e nos permitiu aguçar nossas sensibilidades para aquele encontro. Sendo bom ou mau encontro, se algo ali aumenta ou diminui a nossa potência de ação, eis algo com o qual nos ocupar, eis o que está em jogo, tal como nos sugere Spinoza. Pois há críticas que guardam pactos com o lamento e a fomentação de paixões tristes e críticas que cortam um fluxo para liberar outros fluxos permitindo-nos um novo posicionamento que pode aumentar a nossa potência de ação.

É evidente que há críticos e críticas em número avantajado e crescente a dispararem suas impressões nos mais variados sentidos. Há aqueles que são críticos de ofício, que parecem ganhar comissões financeiras sempre que conseguem criar uma polêmica aqui ou acolá. Estes, que buscam as posições mais polêmicas de uma crítica, geralmente, apenas pela crítica, tal como se fosse um esporte, o fazem almejando as raspas do brilho oriundo dos holofotes que iluminam aquele ou aquilo que é alvo de suas críticas.

Também não sou daqueles que terminam uma conversa acerca da crítica dizendo que esta é na realidade tão somente fruto imediato de frustrações e ressentimentos de um crítico (e.g.: Um artista frustrado = um crítico de arte), não acho que se trata no caso de uma equação tão exata e simplista.

Veja o caso de Caetano Veloso que neste mês emitiu críticas pesadas ao Presidente Lula e ao cineasta Woody Allen. E olha que sou um dentre vários que aprecia este cantor e compositor, ao mesmo tempo em que sinto uma enorme preguiça de suas frases soltas em tom de crítica aparentemente inconseqüente e apressada. Penso que um critério que pode nos ajudar a pinçar as críticas interessantes frente às meramente despontencializantes pode ser a pressa. Quando uma crítica é feita às pressas, no geral não é difícil de se detectar, pois costuma faltar consistência enquanto sobram farpas e acusações no mais das vezes de cunho pessoal. Vale lembrar também que este artista esteve envolvido em algumas polêmicas quedas este ano: duas do alto de palcos bem no meio de suas apresentações musicais, além de uma vertiginosa queda de popularidade afectiva após suas recentes declarações contra uns e outros por aí.

É possível pensar que alguns críticos sofram de qualquer tipo de problema de visão, agravada por um pouco de astigmatismo ou de miopia, pois a crítica tem relação íntima com a distância que se estabelece entre crítico, crítica e aquilo/aquele que é objeto de crítica.

Sobre distância, ninguém melhor do que Blanchot, e acerca da crítica literária, podemos evocar este mesmo intercessor que você citou junto com Zizek, Klossowski, e aqui acrescento também Barthes e poderia elencar outros mais. Este tipo de crítica costuma nos apresentar problematizações consistentes, a partir de questões pertinentes, operando cirurgicamente em meio a intercessões, produzindo novas possibilidades e ampliando nossos universos referenciais. São críticas oriundas das ruminanças que nos remetem a Nietzsche e ao pensar que demanda tempo e experiência. Se a pressa é inimiga da crítica consistente, as velocidades para a produção de consistência em uma crítica podem ser lentas ou rápidas, sem deixar de serem velozes.



Da série: Diálogos, não debates, pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro

terça-feira, 17 de novembro de 2009

footsteps of the multitude: a dance


Description #1: One step after the other, left, right, left, right. One guides the other, left, right, left, right, one follows the other. Where do they take us? Left, right, left, right, all of a sudden... Stop! And then the wall falls down. Incredible! End of movement or opening to a new mode? End of ideologies of left or right? Who dares to perform the first step? And with which foot, left or right? You can also choose neither one of them.

Description #2: While dancing the artist doesn’t have the perception of the lines drew by his body. The whole extension of his body is out of perception. One body among others, without a face, but always with a recognizable trace, that allows easy tracking. Following the animal that Deleuze presents to illustrate the Society of Control, which are in the process of replacing Disciplinary Societies: the serpent on the desert, with coils modeling its body Vs. the mole at the burrow. Through the open horizons of nowadays, we dance, with coils modulating our wannabe-free bodies.

(NO) Description #_: We are talking about dancing here. After the globalization process advanced, it became easier to realize how immanent the whole world is. The old patterns that used to define the concept of frontiers as a limit of no trespassing at all had been severally damaged and replaced by the concept of frontiers that the nomads that fought against the old emperors used: a frontier is an invitation to trespass its own limits. We can be listening to the same songs, the songs that made famous the globalization, but we are insisting in dance in an unusual mode, at a brand new cartography. Welcome aboard through the singularities of the multitude!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Acontecimentalizar



Outra noite dessas, numa aula em que trabalhamos o que pode uma intervenção, digamos, psicossocial e afins... fragmentos de uma degravação...velocidades da fala, do gesto, aqui em letras, palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.novembro de 2009 - PUCMINAS


Acontecimentalizar não é o mesmo que contextualizar. Contextualizar nos indica a necessidade da existência apriorística de um enredo estabelecido, de um mapa já dado, de um tabuleiro, enfim, de um contexto em que tudo o que se encontra pelo caminho deverá ser encaixado.

Aquilo que foge ao contexto, que possui uma lógica que talvez não sejamos capazes de dizer que “tem lógica”, o contra-senso, o ilógico, o non-sense, o improvável, não costumam fixar aderência em um contexto cristalizado.

Já dissemos noutras oportunidades que uma intervenção irrompe quando algo acontece, não acontece, está para acontecer. Eis os três tempos, condições e/ou circunstâncias que costumam disparar uma intervenção e que podem ocorrer isolados ou combinados. Uma intervenção, que aqui chamamos psicossocial, e para isso nos balizamos em meio às contribuições do Movimento Institucionalista (i.e.: Análise Institucional, Pedagogia Institucional, Socioanálise) e da Esquizoanálise. Neste tipo de intervenção a nossa postura deverá ser a de um trabalhar com (não disse “trabalhar.com”, embora não apresente a priori restrições a um “trabalhar.com” desde que não se deixe de trabalhar com, rs.), o contrário de um trabalhar sobre ou de um trabalhar para.

Deleuze nos sugere tratar os acontecimentos tal como estes surgem, com os efeitos que estes produzem, nos guiando pelas raspas da experimentação, fugindo dos excessos de uma interpretação que no mais das vezes remetem a uma busca pela origem. Ele insiste em nos alertar para que evitemos a todo custo fazer de um acontecimento um drama de grandes proporções. Isso nos é complicado, especialmente em dias como os de hoje, em meio à exagerada espetacularização de tudo e de todos. Somos capazes de morrer à míngua à espera dos grandes acontecimentos, enquanto um sem número de acontecimentos ditos menores nos rodeiam, nos atravessam.

Acontecimentalizar, em meio a inspirações advindas do entrecruzamento de Deleuze e Foucault, nos remete à cartografia de linhas, o que se faz no instante mesmo em que estas se elastecem, rompem, cruzam, transversalizam, fogem. E também à genealogia de forças, em que aquilo que mesmo não sendo capazes de descrever cientificamente somos capazes de sentir. O menor e o maior; o que dura mais e o infinitesimal; o mais forte e o mais intenso, mesmo quando sutil.”

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nossos tempos e o desassossego


Em meio ao que por convenção, mais do que por convencimento, alguns costumam chamar pós-modernidade (outros, modernidade líquida, hipermodernidade, supermodernidade, contemporaneidade tardia, etc), de fato temos visto o lançamento de afirmações acerca do fim de um sem número de coisas. O fim da fotografia, do cinema, da literatura, da filosofia, das artes, da escola, do autor… fala-se muito sobre o fim, sempre no sentido de um final, um encerramento das atividades e produções, mas quase nunca se vê surgir na superfície um debate acerca das finalidades a serem atualizadas, dos objetivos a serem renovados, dos possíveis e da afirmação daquilo que se pode buscar (ainda), enfim, das saídas. O catastrofismo apocalíptico impera. Por outro lado, temos também alguns entusiastas que acreditam que as transformações recentes, embora vertiginosas, chegam para somar e são inofensivas e aprioristicamente SEMPRE boas e quase naturais.

A literatura há de sobreviver e se transmutar, a filosofia também. Não sei se são bens duráveis ad infinitum, mas seus processos criativos podem se transformar e se agenciar às máquinas dos tempos vindouros, de tal sorte que ao olharmos a imagem da literatura, a imagem da filosofia, não venhamos a reconhecê-las mais. Híbridas sem perder a fertilidade, dotadas de gadgets em meio às convergências de um pouco de quase tudo conectado a um monte de mais um punhado de coisas… Integrados? Em meio ao pensamento digital? Nanotecnológico? Nós? Em rede? Nós talvez de amarrações frouxas, porém, compondo linhas elastecidas.

Houve um tempo em que se falava que a literatura havia se tornado o ofício de jornalistas… e agora que em nosso país os jornalistas não carecem mais de diploma para o exercício de suas funções? Como vai ser? De todo modo, um diploma quase nunca fez falta a escritores e artistas… falo de um diploma a qualificar/condecorar um tipo de expert nesses ofícios.

Amigos meus do campo das artes também falam acerca de um endereçamento das artes a uns poucos privilegiados, interessados, sensíveis… embora eu concorde que as artes estejam para poucos, isso não lhes garante o ar, dito puro, da aristocracia. Não, não é superior.

Hoje nos exigem uma potência de ação capaz de dar inveja a Homero, Leonardo da Vinci… temos que ser multifacetados, multimídia, polivalentes, líberos, prolíficos, capazes de tudo em meio a regimes de tempo flexíveis e noções de espaço líquidas. Justamente em tempos nos quais, dado o volume de informações e sua velocidade de ampliação, não nos é possível dominar a multiplicidade de produções, nem mesmo de um campo de especialidade, o que dirá de mais de um, a um só golpe.

Temos um volume de escritores, não de literatura, que supera de maneira assustadora o número de leitores… eis um paradoxo… em nossos tempos há mais escritos sendo produzidos do que lidos. Quem escreve, não lê? Bom, ler, ao menos para mim envolve mais do que simplesmente reconhecer letras a partir da captura fisiológica que os olhos nos permitem.

As chamadas novas tecnologias trazem nuances renovadas aos problemas de nossos tempos, mas n’outros tempos, outras tecnologias também acrescentavam desafios desassossegadores.
Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Rizoma, no princípio era o verbo


Noite dessas, numa aula em que trabalhamos a noção de Rizoma de Deleuze e Guattari...
fragmentos de uma degravação...
velocidades da fala, do gesto, aqui em letras,
palavras soltas de RFelipe, sob a inspiração de um punhado de intercessores.
outubro de 2009 - PUCMINAS
"Um rizoma começa pelo meio, se nasce, nasce de uma ruptura, de um fluxo que cortado dá vazão a outros fluxos que jorram aqui e acolá. Não parte em busca de uma origem, não persegue um falso problema, pois este não permitiria o engendramento de um rizoma, de suas linhas em atividade contínua. Aliás, Henri Bergson, filósofo francês, aquele mesmo que segundo Deleuze afirmou a intuição enquanto o método por excelência da filosofia, nos ensinou a importância de distinguirmos os falsos dos verdadeiros problemas. O que é um falso problema? É o tipo de problema que nos paralisa, não permite movimentos, embora haja gastos de energia vital e a noção errônea de que estamos avançando. O verdadeiro problema é aquele que nos atravessa, nos impulsiona, nos põe em movimento. Já discutimos o quanto um corpo é importante no processo de pensar, pois acreditamos que pensar se dá através do corpo em meio a outros corpos, não dentro ou fora do corpo, mas através do(s) corpo(s). Pensar e suas visceralidades... também não acontece apenas dentro da cabeça ou exclusivamente dentro de um cérebro. Precisamos nos lembrar aqui daquele que costuma ser celebrado como um dos pais da subjetividade moderna, Descartes, e o artifício da glândula pineal. Na época de Descartes era necessário apontar onde o pensamento reside, onde se aloja, onde acontece... havia muita pressão da comunidade científica, não menos do que nos dias de hoje. Pensar se dá mundo afora através do que pode um corpo. Também discutimos que pensar não é a mais fácil das atividades humanas, tampouco a mais freqüente, embora tão comum. Sim, pensar é algo comum, tal como deveria ser todo exercício cotidiano, porém muitos de nós pensam que pensam - o que não deixa de ser um pensar - embora mais afim com as possibilidades diminutas de se entreter com um falso problema. Para pensarmos nos é necessário um problema, tanto melhor quando se tratar de um verdadeiro problema. Pensar não é algo que se dá distante das forças em jogo, em tensão, em uma Vida. Vamos pensar a distinção entre o beijo e o ato de beijar inspirados nos estóicos. No beijar não há beijo, há saliva, carne, lábios, dentes, libido, desejo, mas beijo... não há. Beijo é uma noção estática, sedentária, cristalizada... mera representação, captura do movimento de beijar. O mesmo pode ser dito acerca do pensar: no pensar, então, não haveria pensamento. Ao menos não o pensamento tal como um bloco estático, propriedade privada, um já dado à espreita nas esquinas. Como se fosse mesmo possível dizer: o pensamento de Kant, o pensamento de Hegel... “Aqui está o pensamento de Kant, coloque-o no bolso!”; “Aqui está o pensamento de Hegel, segure-o bem firme nas mãos!”. Não deveria, pois, haver pensamento enquanto categoria estática, sedentária, mero produto... pensar tem mais relações com um processo, às vezes errático. Com o rizoma é a mesma coisa, só há rizoma quando se trata de conexões em movimento. O rizoma não é uma estrutura, tampouco uma função... o rizoma é um funcionamento, ou melhor, um funcionar, que pode se dar de maneira avariada, incompleta, randômica, nômade. Das conexões, podemos dizer que este princípio não se dá isolado do princípio da heterogeneidade, junção entre inusitados, entre diferentes, entre absurdos, entre singularidades que compõem em seus agenciamentos todo um rol de multiplicidades entre lógicas que de tão distintas fazem às vezes de ilógicas, a-significantes. Pois quando estamos diante de algo cujo padrão não fomos capazes de mapear, prontamente dizemos que tratar-se-ia de algo ilógico, não damos o braço a torcer, defendemos a todo custo nossas vaidades de expert. Não somos humildes o suficiente para reconhecermos a nossa incapacidade de mapear todas as lógicas. Daí a necessidade de um cartografar, que ao contrário de um mapa que representa um todo estático, nos exige um lançar-nos em meio a linhas de toda sorte. A cartografia, tal como nos sugere Rolnik, é um exercício dinâmico, orgânico, em que traçamos as linhas de uma paisagem no instante mesmo que elas se diferenciam. O heterogêneo nos cerca, nos desassossega... neste instante o que é heterogêneo para você?"

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Afirmando o devir dos dias de hoje


“De que amanhã...”, frase de Victor Hugo, que dá nome a um livro assinado por Roudinesco e Derrida, servindo-lhes de pretexto para que os dois disparassem a argumentar acerca de questões, as mais diversas, que atravessam e compõem os nossos tempos, com a urgência do hoje, a definirem o porvir. Nossos tempos? Ou estaríamos imersos no exagero da flexibilidade de tempos que já não nos pertencem mais, palco de um conflito sem fim entre Cronos e Aion, que Sennett tão brilhantemente soube problematizar em seu livro “A Corrosão do Caráter”. Tempos que já não nos pertencem ou jamais nos pertenceram, tal como a placa de bar “fiado só amanhã”. Ou tanto pior, tal como em James Bond 007, “O amanhã nunca morre”, frase que bem serviria de slogan para o cenário apresentado por Foucault em sua análise das Sociedades de Disciplina, em que não se termina nada, os processos são abandonados sempre inacabados. Sinto também, como muitos de nós, o mal-estar e a ansiedade em meio aos embates de forças entre regimes de tempo que se atualizam relacionados ao desajuste frente às expectativas em tensão, às promessas e à preguiça (inimiga mortal do bigodudo do martelo), geradores de ressentimento e de má consciência. Tempos que para chamarmos de nossos precisam ser conquistados, roubados, produzidos, comprados, consumidos, exauridos em meio aos contra-tempos (que são modos de ruptura, bolsões de tempos intensos, lufadas de ar, brechas para o pensar-sentir, para o advir de experiências, tal como nos sugerem os aliados do Movimento Institucionalista). Nossos ou não, a esses tempos, os dos dias de hoje, costumamos denominar contemporaneidade, embora eu tenha extrema dificuldade em balizar o que me é contemporâneo. Sinto-me contemporâneo de Mozart, tanto quanto de Jeff Buckley ao escutar as composições destes dois cavalheiros; sinto-me, a cada noite em sala de aula, contemporâneo dos nossos antepassados que cobriram as paredes das cavernas com as imortais pinturas rupestres, quando atualizo o mesmo gesto destes borrando a lousa branca (antigo quadro negro de cor verde) com um monte de diagramas e palavras com a pretensão de ajudar no processo de produção de conceitos; sinto-me contemporâneo de muitos de meus intercessores de séculos variados, estes mesmos que vocês costumam ver presentes em meio aos meus escritos.

E a contemporaneidade tem recebido muitos nomes: Modernidade Líquida, por Bauman; Hipermodernidade, por Lipovetsky; Supermodernidade, por Augé; Pós-Modernidade, por Lyotard e Maffesoli; e ainda temos as contribuições de Latour e seu Jamais fomos Modernos. Todas estas análises apresentam elementos coerentes e consistentes, mas que isoladamente não nos dão condições de certeza acerca do que está acontecendo e que nome dar a este recorte de acontecimentos. A angústia do homem se acentua, talvez porque em meio a este furor semiológico e taxonômico ele tenha se esquecido que o nome de uma época é dado quando adotamos a convenção de que aquela época passou e já estamos em uma “nova vibe”. O instrumento predileto da maior parte dos historiadores é o espelho retrovisor, no gesto de olhar para trás científico na busca desesperada por padrões de sossego, “Oh, naquele tempo era assim...”.

Longa Vida às incertezas e ao desassossego! E tudo o mais que nos põe a pensar-sentir. Resistir ao presente, tal como nos sugere Deleuze, buscando na potência da invenção de um mundo possível, neste mundo, por meio de modos de existência em imanência com tudo o quanto há, o bom e o ruim, no aquém e além entre estes, na cartografia das margens dos que estão às margens, na explosão de forças criativas que nos inspiram e nos ajudam sempre no sentido de extrair das fragilidades uma potência.

Da série: Diálogos pela blogosfera: mais um texto que escrevo em resposta a outro post do meu amigo Jason Manuel Carreiro em Não há pensamento raro.

domingo, 1 de novembro de 2009

Barthes e o devir-ciclista do professor

Em seu texto "Escritores, intelectuais e professores" publicado na coletânea "O Rumor da Língua", Roland Barthes dá ênfase à fala como afecção principal no ofício do professor. Ele menciona que o professor está condenado por meio de sua fala, tal “como um ciclista ou um filme a andar, a prosseguir, se não quiser cair ou encravar-se". A fala, cuja velocidade de enunciação deve ser mantida, tal como a velocidade das pedaladas de um ciclista, tal como a seqüência de imagens em movimento de um filme. Dar consistência a uma fala, tal como Eisenstein nos dizia acerca da dificuldade em manter a coerência e a consistência ao longo da gravação e posteriormente da edição de um filme me faz recordar Antonioni quando este dizia que a verdadeira trilha sonora de um filme são os silêncios entre as cenas. No caso da fala não há como editá-la em tempo real, há? Barthes nos diz que a edição na fala, no instante mesmo em que falamos, se dá por acréscimo, pelo uso de expressões corretivas do tipo: “quero dizer”; “ou melhor” que são acrescidas em meio à fala, já que não podemos apagar o que foi dito. Meu maior receio no tocante às palestras e aulas consiste no apagão, em ficar literalmente sem palavras, especialmente me preocupo com as palavras iniciais, as primeiras pedaladas, as primeiras cenas de um filme-falado, tenho medo de devir-ator de cinema-mudo. Quisera eu ter a potência de ação de um Buster Keaton, de um Charles Chaplin, de um Edward Mãos de Tesoura, e a força de expressão de um cinema-mudo. Mas o ensinar-aprender tornou-se há muito um palco para a verborragia. Falamos demais, em demasia, sobre tudo e sobre todos. Tal como uma aranha estamos condenados a nos lançarmos por meio da teia que tecemos. Não é a aranha que lança a teia, mas sim a aranha que se lança por meio da teia. A aranha conecta sua teia a uma extremidade sólida (parede, galho de árvore, etc.), tal como o professor se gruda aos conceitos, e se lança conectada a sua teia aproveitando o peso de seu corpo que é levado pela corrente de ar até esbarrar n’outro objeto sólido. Unindo um ponto a outro a aranha volta ao ponto de partida e inicia novamente o movimento de lançar o corpo através da rede, inúmeras vezes, até compor sua tela de captura. Sobre isso Deleuze em L’Abecedaire Gilles Deleuze, falando sobre sua teoria dos signos nos diz que “uma aranha: tudo o que toca sua tela, ela reage a qualquer coisa, ela reage a signos. E eles produzem signos, por exemplo, os famosos signos...”. O professor e sua rede, sua teia e as moscas, alunos, conceitos, ruídos, como o contra-ponto a este emaranhado rizomático de linhas de toda sorte.

No tocante à necessidade de trabalhar com a modulação de velocidades em uma aula, como devir-ciclista ou devir-cineasta em meio ao estrato-professor? Não seria o mesmo que devir-aranha?